Geladeira velha
De vez em quando o feitiço vira contra o feiticeiro e a consulta vira contra quem a faz. Assim sendo, o médico passa de consultante a consultado, enquanto a paciente resolve inverter situações:
- “Doutora, que cara é essa? Tem passado bem?”.
Ainda tentei raciocinar se eu tinha feito alguma careta na hora do exame ou algo parecido, mas eu acho que não... Seriam minhas olheiras ou minha falta de sorriso? Não sabia responder, então perguntei:
- “Do que fala?”.
Ela disse que eu estava pálida, com cara fechada, diferente do que sou... A única coisa que me veio à mente foi o que eu estava sentindo na hora:
- “Estou com uma azia danada. Ando comendo na rua, o que não é meu hábito, e tudo que como, seja o que for, me dá azia. Não sei se é óleo velho, se são temperos, bicarbonato de sódio, aromatizante ou que droga , mas tudo me faz mal. Não existe um lugar que tenha uma comida que nada me cause ao longo do dia”.
Tentei resumir meus sintomas e não esperava nenhuma opinião a respeito, mas ela estava interessada em meu ajudar:
- “Por que não congela pratinhos no freezer?”.
Respondi que não estava tendo tempo para fazer comida e congelar, e mesmo assim, eu gostava de comer verduras e legumes, e isso não se congela. Ela quase saltou da cadeira e me fez uma pergunta que eu não esperava:
- “Mas a sua geladeira é velha?!”.
Bem, como cada médico tem a paciente que merece e cada paciente tem o médico que merece, e aparentemente não sou muito coerente em certas coisas, respondi naturalmente:
- “Ela é velha, sim, mas gela direitinho...”.
Não pude nem terminar a frase e ela foi logo dizendo que tinha uma geladeira novíssima, de última geração, e que a cenoura durava uma semana inteira!
Agora, digam-me: O que ela pretende encontrar de nutrientes numa cenoura morta há uma semana?
Leila Marinho Lage
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