Clube da Dona Menô
Dona Menô

Dentro do Bombom


Foto Leila Marinho Lage

O texto abaixo foi escrito em fevereiro de 2008 para minha página pessoal, o Clube da Dona Menô. Eu era outra pessoa...

A gente muda muito com o passar do tempo, mas eu mudei bastante em dois anos. Sem uma cronologia, uma sequência de fatos não bem definida, eu passei de extrema felicidade para profunda tristeza. E devo isto a um homem, que não nasceu comigo, que não teve o mesmo cordão umbilical, mas com quem convivi intimamente, como se minha vida fosse a dele e vice-versa.

Não era bem assim...

Serviu para eu entender que temos vidas diferentes, muitas vezes muito bem camufladas, inclusive no caráter.

A Páscoa lembra chocolate. Eu não sou chegada a chocolates, como também não ligo para Páscoas, mas eu ligo para sentimentos. Pelos meus bons sentimentos eu desejo que nesta Páscoa eu consiga resgatar o que ficou para trás e manter aquilo de bom que eu consegui com minha vivência.

Dedico a todos o doce de uma Leila que um dia foi mais doce, pois acredito que vocês tenham tanto quanto eu as mesmas decepções e mesma candura de pensamentos.

Leila Marinho Lage
Rio 24 de março de 2010

http://www.clubedadonameno.com


Serenata de amor
Dentro do bombom

Hoje eu vim preparada para escrever sobre um tema médico e coisas afins, mas ontem e hoje aconteceram coisas tão legais que eu fiquei meio romântica...

Deve ser muito difícil acreditarem nisso, mas foi verdade - não sobre o meu dia ter sido legal, mas que eu fiquei romântica...

Já repararam que quando a gente fica romântica, também fica meio imbecil? As pessoas ao lado nos acham retardada. E ficamos! Graças a Deus... Então, vou falar sobre coisas amenas hoje.

Ontem atendi uma senhorinha que está sob acompanhamento de uma doença grave, letal - nada ameno até aqui...

Ela e seu marido, muito idosos, sempre aparecem com uma caixa de bombom para mim e minha secretária. Desta vez, ele me deu um bombom apenas e ficou com carinha de triste, tentando justificar a "pobreza" do presente.

Eu só como bombom nestas ocasiões. Nem lembro que chocolate existe na face da terra, e, mesmo estando em eternas dietas, eu faço questão de comer o que a pessoa me dá na sua frente, nem que seja um pedacinho. Pior é quando me aparecem com verdadeiras obras-primas da gula justamente antes do jantar... Dá vontade de devorar!

Enquanto a paciente falava sobre seus dramas, meu paladar (mais especificamente, meu olfato) se deliciava com um Serenata de Amor.

Durante o tempo em que ficamos sentados, eu amassava o tão famoso plástico (antes, papel laminado) amarelo e vermelho. Se não fosse o plástico, certamente eu estaria sacudindo uma caneta ou o meu pé, pois eu não paro.

Dizem que eu sou taquipsíquica e taquicinética. Não sabem o que significam estes termos? Nem precisam, porque eu não sou nada disso. Eu sou normal.

Pensei comigo mesma sobre o que pensariam outras pessoas sobre uma médica atendendo, comendo bombom e amassando um plástico barulhento na frente de um casal de velhinhos, mas justifiquei para mim mesma: "Quem vê cara não vê coração".

Subitamente observei os corações do invólucro do bombom, que agora possui também corações e anjinhos na face interna. Nestes desenhos li duas frases, tal qual fazem com os biscoitos da sorte orientais:

"O beijo é a menor distância entre dois namorados".

"Se você ama alguém, fale. Corações podem ser partidos por palavras que nunca foram ditas".

O senhor me olhou curioso e perguntou: "O que caiu pra senhora?...".

Assim também era demais! Informalidade tem hora! Mas li mesmo assim... Ele disse: "A senhora precisa amar e ser amada".

Eu me levantei e disse para a minha cliente: "Está na hora do exame. Por favor, queira se trocar".

Hoje, ao lembrar daquela consulta, percebi o quanto as frases me tocaram, ainda mais o que o senhor me falou. Súbitos momentos, movidos basicamente por sentimentos e sensações, mesclados ao cotidiano.

O Serenata de Amor já esteve tão presente na minha vida, no meu passado, que eu me surpreendi devaneando numa situação tão exótica sobre coisas que eu já achava perdidas, que é a minha capacidade de amar e sonhar.
 
Leila Marinho Lage
Rio, 19 de fevereiro de 2008  
www.clubedadonameno.com