Clube da Dona Menô
Dona Menô

AO SUGO
(EM CASA DE POBRE)



Na casa de Márcia Garcês, que é tetraplégica, a gente não tem espaço. Imagino que seja muito difícil para ela e seus familiares conviverem com tantas barreiras em qualquer compartimento de sua moradia e até na sua rua.

Apesar disso, ela não tem nem atrofia dos membros por imobilidade. Não existe uma explicação plausível, uma vez que ela não é atleta e não faz uma fisioterapia de primeiro mundo, certamente.

Esta flor vem do seu quintal, tal qual eu vi em um quintal de meu passado: uma suculenta. Plantinha comum e independente, tal como Márcia quer ser, e é.

Suculentas não precisam de muita água e sobrevivem muito bem por muitos dias sem o menor cuidado, mesmo com a ação da natureza. Elas simplesmente ficam em seu canto anabolizando, catabolizando, vivendo e captando energias.

Na casa de Márcia a gente não vê luxo. Tudo é mais ou menos adaptado, mas, mesmo assim, é o reino de uma mulher linda que está em constante movimento, mesmo que seja em seu cérebro

Uma coisa boa é ter grana nessa hora, mas nem todo mundo tem! Entretanto, ela tem algo que muitos que têm grana não possuem: muito amor e o máximo de dedicação.

Para ela teclar no computador é preciso que alguém a coloque lá. Mesmo assim, sua cadeira de rodas atrapalha o espaço. Não adianta ter cadeira elétrica com ela, pois a mesma não consegue entrar em sua casinha. Laptop?... Isso ela só vai ter domingo que vem... Vai ser uma mão na roda!

Quando eu fiz xixi na casa dela, observei o banheiro. Não é possível conforto para ninguém: nem pra quem dá banho, nem pra ela mesma. Concluo que todos os dias sejam muito sacrificantes em sua rotina.

Existem suculentas, flores, quase cactos, no jardim, como também flores de maio, que quase dormem, mas um dia foram viçosas em qualquer época do ano, mas caem, mesmo regadas. Por outro lado, eu senti a natureza em flor ali, pois existe algo misterioso naquele recanto.

Um dia ela insistiu para que eu fosse lá para lanchar. Eu encontrei um verdadeiro bufê à minha espera. Quanta coisa linda e gostosa! Márcia é experiente em culinária italiana, mas precisou se desfazer de tudo quando ficou paralítica. Ela só guardou suas ideias, e ainda dá seus toques de chef nos encontros com amigos.

No domingo em que lá fui, sem nenhuma pretensão, eu comi um treco meio gelatinoso de peixe e quase tive uma crise existencial: era delicioso! Pedi a receita e Márcia disse que era a coisa mais banal de se fazer. Banal ou não banal, eu comi que nem uma flagelada e ainda levei pra casa - porque em casa de pobre a gente acaba levando o restolho pro dia seguinte! E foi meu almoço por dois dias...

Esta menina tem classe! Isto vocês podem acreditar! Ela tem elegance; tem tudo de bom! Além de linda, Márcia é uma pessoinha muito boa, muito inteligente e, principalmente, uma mulher extremamente forte espiritual e fisicamente.

Texto e Fotografia
Leila Marinho Lage
Rio, 23 de setembro de 2010
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