Clube da Dona Menô
Dona Menô

NA PASSEATA
CAPÍTULO III



MODERNIDADE E ACESSIBILIDADE


Marcos participava da passeata em favor da inclusão social  dos deficientes físicos, no dia 19 de setembro de 2010, que aconteceu em Copacabana. Ele dirigia com o queixo sua cadeira motorizada.

Minha amiga Márcia Garcês, sobre quem tenho constantemente falado, visitou recentemente a "2ª Feira Muito Especial de Tecnologia Assistiva e inclusão Social das Pessoas com Deficiência do Rio de Janeiro" e me disse que existem atualmente equipamentos moderníssimos, em várias modalidades, para  todo tipo de deficiência, porém não é qualquer pessoa que pode arcar com isso.

Um dia Márcia ganhou uma cadeira dessas, que ainda aprende a dirigir, pois em sua casa e na rua onde mora é impossível usá-la: sua casa não é adaptada e a rua oferece riscos para cadeirantes.

O transporte da cadeira eletrônica em carro comum é muito difícil, pois precisa ser desmontada e é pesada. Quem depende de táxi tem outro problema, uma vez que a cadeira só entra em malas grandes. O que me revoltou foi saber que ela faz sinal para os motoristas e que eles negam tripulá-la.

Márcia me informou que existem cadeiras automáticas até movidas a sopro. Pelo que ela falou, se sopramos para frente, a cadeira vai pra frente vai para frente; se para os aldos, ela segue a mesma direção. Para trás eu não sei como é...

Curiosa, eu brinquei: "Se a pessoa estiver gripada e espirrar?...". Ela olhou ironicamente para a praia e respondeu: "Ora! Cai no mar!".

DANI, A GRANDE SEREIA



Conheci Dani alguns meses atrás em um evento do Projeto da Praia Adaptada, comandado pelo Instituto Novo Ser. Logo de cara ela contou a sua vida e eu soube que quando ela era mais jovem, acordou uma manhã sem seus movimentos do tórax para baixo. Ela tinha um tumor na medula espinhal. Depois de ser operada, ficou praticamente paraplégica.

Ela até usa muletas, mas deve ser estafante o esforço muscular que precisa ter para suportar o peso de seu corpo, apenas usando seus braços. Portanto, ela depende de cadeira de rodas também, apesar de que no mar ela é um peixinho! É só chegar à água, que ela flutua, fura ondas, nada e vai longe.

Dani é uma campeã, não só por ter galgado títulos de desportista, mas por encarar uma luta diária, acrescida do fato que um atleta não pode jamais esmorecer diante do cansaço e do clima. 

O movimento reivindicava os direitos de inclusão social e acessibilidade dos deficientes físicos. Ela tinha acabado de chegar do mar e estava muito frio. Eu perguntei como é que ela podia nadar com aquela temperatura, ao que ela me disse: "Nadador não sente tempo ruim!".

Eu digo que nadador e pessoas extremamente especiais não esmorecem em tempos ruins.

ATRÁS DO TRIO ELÉTRICO



Eu esqueci o nome dele. Eu pedi sua autorização para publicar sua imagem na Internet e ele me concedeu, apesar de eu saber que ele tinha tomado mais de três chopes.

Fui bem clara: “Quero publicar sua imagem em meu site. Pode ser?”. Como todo bon vivant morador do Rio, ele disse que permitia a divulgação.

Ele não pode saber razão desta crônica e nem o que o passou por nós. Eu estava cansada de fotografar. Queria sentar e olhar para o mar, que estava adiante de mim poucos metros.

O tempo estava nublado, o dia estava feio, mas eu estava em Copacabana, afinal! Não é pra qualquer um estar perto deste mar que tem tantas histórias, mesmo que quem more por lá não tenha a verdadeira noção da importância daquele bairro.

Larguei por alguns minutos o grupo em passeata dos deficientes físicos para admirar e fotografar esculturas na areia. Havia um banquinho de pedra justo à frente da obra, a qual o escultor carinhosamente reparava da ação do tempo. Junto a mim estava este rapaz, do qual eu esqueci o nome, uma vez que eu não estava a fim de registrar absolutamente nada além do castelo de areia.

Sentei como se senta num cavalo e comecei a clicar o castelinho à minha direita. À minha esquerda passava o grupo dos deficientes, e eu via mais Márcia, que a esta hora estava fazendo contatos mil. Seu celular e nada era a mesma coisa, pois ela não dá bola pra isso. Fiquei na esperança de ela se tocar que eu estava perdida.


 
À minha frente, naquele banquinho de pedra, enquanto eu fotografava a arte, o moço de gorro dizia veementemente: “Aqueles caras ali daquela passeata falam e falam e não dizem nada! Esta turma vai falar bonito só pra voto, mas nada fará nada pelos deficientes!”

Eu estava clicando quando ouvi tal absurdo. Num primeiro momento pensei que ele estava falando mal do Projeto Novo Ser e demais companheiros, mas percebi logo a seguir que ele pensava que era campanha política de algum deputado. Daí, eu tampei minha Canon e mostrei a ele:

“Ta vendo ali naquele palanque uma adolescente cantando, que tem alguns centímetros de altura e é cega? Ta vendo outras pessoas lá em cima com cadeira de rodas? Agora olha para a passeata e veja quantas pessoas doentes existem lá! Não é campanha política de nenhum vereador. É um grito de socorro, cara!”



Ele olhou bem, focou suas retinas e depois sorriu pra mim. Ao tentar tocar sua mão para um cumprimento e uma despedida, ele me deu um beijo agradecido no rosto.

Artigo e Fotografia
Leila Marinho Lage
Rio, setembro de 2010
http://www.clubedadonameno.com

Poderão entender melhor este texto quando lerem os artigos sobre o tema, em ordem alfabética, nos capítulos sobre "MÁRCIA GARCES" e em "ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO SOCIAL", no Espaço Cultural de Dona Menô:
http://www.clubedadonameno.com/devaneios/menu_novo5.asp