Clube da Dona Menô
Dona Menô

VESTINDO A CAMISA
(Diga "XIS", capítulo I)

Minha prima sempre recomenda que ao sermos fotografadas devemos esticar o dedão das mãos, ou seja, o primeiro quirodáctilo da mão direita e esquerda, para quem tem as duas... Ela diz que isto eleva o semblante, esconde rugas, suspende os seios e esconde a barriga...

Bem, eu já desisti, porque toda vez que tiro foto assim, eu pareço ter engolido um guarda-chuva e, da mesma forma, continuo com o semblante caído, como o resto também...

Eu tenho outra fórmula: rir. Rir ou sorrir camufla tudo em um rosto, apesar de que em algumas ocasiões os olhos nos traem... Sair bem na foto ou sair bem na fita é coisa de momento. Até mesmo alguém muito feio pode ficar bonito, se o seu momento assim determinar. E há mais: uma fotografia pode parecer linda para uns e horrível para outros, principalmente quando a gente se olha na foto e pensa: “Esta pessoa ali não é eu! Eu me vejo diferente!”.

A outra fórmula pra sair bem na foto é dizer uma palavra que começa com  letra X, mas eu não posso publicar, apesar de Márcia rir toda vez que falo isso...

Já viram como fica artificial tirar retrato naquelas máquinas de três por quatro? Coisa horrível! E o pior é que a gente geralmente tira esse tipo de fotografia para colocar em um documento e temos que olhar pra nossa cara feia frequentemente!

A gente coloca roupa bonita, se pinta, penteia direitinho o cabelo, mas aquele sujeito atrás de uma máquina fotográfica, que só falta sair fumaça, ou aquela câmera impessoal de shoppings registra tudo de ruim que não queremos ver em nossa imagem. É como Jô Soares diz: “Aquele gordo que eu vejo no espelho não tem nada a ver comigo. Eu me sinto magro. Não sou aquele daquela imagem!”.

Por exemplo, aqui nesta fotografia eu me via muitíssimo gorda, uma vez que eu coloquei por cima de minha roupa a blusa que Márcia exigiu que eu vestisse. Era a blusa que propagava seu livro. 

Estava frio, mas com o calor que me dá de vez em quando, o da menopausa, associado ao fato de eu estar caminhando e fotografando pra lá e pra cá, me impunha retirar a roupa de baixo - e assim fiz. 

Procurei um banheiro público, aqueles recipientes de xixi que existem na orla, mas o único disponível não tinha trinco na fechadura. Eu nem me esquentei, uma vez que era só para trocar a roupa rapidinho, e se me vissem de sutiã, não seria problema, uma vez que eu estava na praia e na areia havia praticamente gente pelada.

Não prestou... Como eu temia, na hora em que a camiseta passava por minha cabeça, senti alguém abrir a porta. Dois segundos depois um coroa estava olhando pra mim, com uma cara muito zangada. Quem se assustou foi ele, e não eu. Quase gritando, ele disse: “A porta estava aberta!”.

Ele me ofendeu... Nem olhou direito pra mim! Só olhava para meu rosto, fuzilando-me. Fechou com força a porta, não dando pra ele ouvir o que eu respondi: “Que é que foi, seu babaca? Não gosta da coisa, não?...”.

HORA DO RECREIO
(Diga "XIS", capítulo II)



Algumas coisas aliviam o cansaço além de se deitar numa cama e assim pensava Márcia Garcês depois da passeata de domingo em Copacabana, no dia 19 de setembro de 2010. Afinal, sua vontade era rodar por aí. Literalmente rodar, já que ela andava em cadeira movida a bateria - e eu a pé...

É um inferno acompanhar Márcia quando ela está naquela máquina. Eu sempre falo que quando estou fotografando, é comum eu me perder de um grupo, uma vez que eu fico atenta ao meu foco, então pedi para ela ficar me vigiando, para não nos perder de vista. Com aquela sobrancelha que a toda hora franze, ela alertou: "Quem anda, que me acompanhe! Eu vou é rosetar!".

Obviamente eu me perdi várias vezes dela e de sua mãe (Dona Ruth) e sua acompanhante (Glória). Coisa horrível ter que seguir o ritmo de alguém quando a gente quer fotografar... Márcia pensa a mesma coisa quando quer ir a algum lugar e precisa de ajuda para isso...

A passeata foi tão legal que aquilo lá deu gastura (uma fome enorme). Depois que o grupo se desfez, resolvi levar Márcia e sua família para comer um bom Arroz à Piamontese no "Manoel e Juaquim".

_"QUE ISSO, LEILA?! TÁ ERRANDO O PORTUGUÊS?", perguntava Márcia.

- "To nada, po! Sabe aquele diretor de teatro, Abílio Fernandes, que escreveu um peça que durou anos em cartaz, chamada "Por falta de roupa nova, passei o ferro na velha"? Pois é! Ele tem "Manoeis e Juaquins" em vários pontos do Rio e eu conheço há mais de 15 anos o do bairro Engenho de Dentro. Existe um bem aqui em Copacabana. Vamos fazer sinal para um táxi".

Não entendi por que Márcia queria ir a pé, quer dizer, com sua cadeira. Achei que ficaria muito sacrificante para a sua mãe, que tem muitos problemas de saúde e já tinha me dito que estava exausta e com dor na perna. O jeito era táxi mesmo, mas Márcia insistia que seria um tanto difícil... E foi...

Demoramos muito tempo na rua para acharmos um carro com mala grande, fora os que passavam propositalmente alheios a uma cadeirante, até que um motorista parou e nos ajudou a desmontar a cadeira de Márcia, colocá-la na mala e depois ajudou-nos a posicionar minha amiga no banco da frente.

Tudo muito difícil. Até Glória, que é forte e experiente, mesmo assim encontrou dificuldades sozinha. Isso demorou muitos minutos até estarmos devidamente tripuladas.

Ia ser uma corrida curta, entretanto no trajeto acabamos fazendo a maior amizade com o motorista, que se sentia todo prosa em nos servir. Eu fiz questão de dizer ele transportava uma futura escritora de sucesso, ao que ele olhou para nossas camisetas, que estampavam: "Leiam o Diário de Márcia Garces" - seu livro.

Após eu informar onde ficaríamos, o senhor ainda subiu com o carro na calçada e passeou na mesma até o restaurante, que eu lembrava que ficava embaixo de um templo religioso, bem em frente ao mar e perto do Forte de Copacabana. Aliás, eu já tinha ido lá algumas vezes, mas certamente desta vez seria bem mais especial...

Paramos num bar com toldo. "É este aqui! Está escrito "Jesus é o Salvador", ou coisa assim, acima dele?!", eu perguntava, ao que o taxista confirmou.

Daí foi só perder mais uns 15 minutos retirando Márcia e a cadeira do carro (que precisava ser remontada), Eu já estava com uma mesa para nós no lado externo do bar, já que o mesmo estava repleto de gente no lado de dentro e ia dar muito mais trabalho colocar uma cadeirante num espaço pequeno e fechado.

Fazia um frio de rachar, uma coisa tipo uns 8 graus centígrados, devido ao vento da praia, e não estávamos vestidas para tal temperatura. O jeito foi pedir chopp pra todo mundo.

- "Quem tá a fim de beber?", eu sugeri. Dona Ruth foi a primeira a topar, e, a seguir, Glória. Márcia, politicamente correta, pediu uma cerveja sem álcool... Eu ainda vou dar um porre nela, apesar de que naquele dia eu percebi que se depender de código genético, nada conseguirei, porque Dona Ruth é dura na queda...

Pedi uns salgadinhos, que sei serem maravilhosos, uns pastéis do bem! Quando eu abri o cardápio, vi que estava no bar errado: era o Sindicato do Chopp, bem ao lado do lugar onde eu queria almoçar. Na confusão, estacionamos a cadeira no ponto errado...

_ "Não seja por isso! Aqui também servem salgadinhos ótimos! Vou pedir para entregarem ao lado e vamos almoçar no Manoel!"

Márcia se desmanchava de tanto rir e topava tudo. Era um tal de garçom empurrar cadeiras e afastar mesas que dava gosto de ver... Fizemos isto duas vezes, uma vez que o vento estava congelante.

A gente almoçou o medalhão, que não estava como antigamente, mas o prazer de comer ali e olhar o mar e os pombos nas árvores, o prazer de rirmos de montão de tudo quanto era coisa, valia o dia.

Para esconder o casaço de todos nós aparecermos bem na foto, lembrei que devíamos dizer a senha mágica, que não era "XIS", e, sim, "X E- - CA".

Márcia só faltou pular da mesa e justificou: "Sendo ginecologista, não podia sair outra coisa da sua boca...".

Ficou boa foto, não acham?... Pelo menos amenizou o que no segundo anterior deste momento eu tinha ouvido de Dona Ruth: "Quem tem um filho saudável não sabe o quanto é feliz!".

Eu digo para ela que o segredo da vida é nós nos adaptarmos às nossas dificuldades e sermos felizes dentro de nossa realidade.

A passeata em prol dos deficientes físicos só acabou após nosso almoço...


Poderão entender melhor este texto quando lerem os artigos sobre o tema, em ordem alfabética, nos capítulos sobre "MÁRCIA GARCES" e em "ACESSIBILIDADE E INCLUSÃO SOCIAL", no Espaço Cultural de Dona Menô:
http://www.clubedadonameno.com/devaneios/menu_novo5.asp

Artigo de Leila Marinho Lage
 
Rio, setembro de 2010
http://www.clubedadonameno.com