Ontem foi dia dos médicos e resolvi “me” comemorar. Já que estou envolvida com a vida do Centro do Rio de Janeiro, nas “crônicas- artigos” sobre o Rio Antigo, nada melhor do que encontrar algo diferente na vida noturna desta região.
Até bem pouco tempo, talvez há uns 5 anos, o Centro do Rio era reduto da marginalidade e era muito perigoso ficar à toa por lá.... Como poderão ler no artigo sobre a história do Centro do Rio, registrado nesta série sobre o Centro da Cidade, escrito por Eliana Rocha, a Lapa era, há muitas décadas, o principal centro da cultura artística de nossa Cidade, com vários teatros e cinemas. Com o tempo, foi esquecido e muitas casas fecharam. Hoje o centro passou a ser o maior point de diversão noturna do Rio, vencendo a noite dos bairros da Zona Sul, que sempre foram área da população privilegiada.
Encontramos várias casas de shows, restaurantes de todos os estilos, teatros, onde todas as faixas etárias se encontram. Em certas ruas, principalmente na Mem de Sá e adjacências, observamos multidões nas calçadas, dançando, bebendo e se divertindo na maior paz. Vários sons e estilos musicais se misturam. O contraste das construções antigas e das fachadas de estilo colonial, apesar de a iluminação ainda não ser das melhores, embeleza este novo reduto da noite carioca. A maioria das casas foi adaptada para servir de estabelecimentos comerciais e encontramos desde clubes privê e hotéis de prostituição, até bons restaurantes, onde famílias se reúnem pra jantar e passar uma noite tranquila.
Nada de violência. As prostitutas e travestis passeiam lindos à nossa volta e ninguém perturba ninguém. Lamentavelmente nos deparamos com os mendigos dormindo nos becos, em guetos, o que nos faz lembrar que ainda estamos muito longe de sermos uma cidade moderna e desenvolvida. Não concebo desenvolvimento social onde a miséria está estampada em cada esquina, convivendo com a classe média.
Eu queria ouvir jazz... Pobre de mim... Lá se ouve de tudo, menos jazz... Se quiserem ouvir funk, acham lá. Samba e chorinho? Muitos lugares... MPB? Pra todo lado... Até música clássica a gente encontra Mas, jazz?... Onde eu acharia jazz?...
Mas, achei...
Estava lá na Net: “Projeto Lapa, Jazz-Brasil. Leila Maria canta show Billie, Ella e Eu”.
Local: Niño de Artes Luiz Mendonça, Praça João Pessoa, 2, esquina com Mem de Sá e Gomes Freire, tel: (21) 2508-8217. Era lá mesmo que eu ia pousar. O lugar é aconchegante, simples. Um pequeno palco, algumas mesas, bem estilo pub. Comi uma pasta de berinjela dos céus e a cervejinha era da hora. Só não deu pra encher o bucho, infelizmente. Eu fiz dieta o dia todo pensando que ia jantar todas... Mas, tudo bem, estou de dieta mesmo... Sem muita frescura, entra Leila Maria e seu grupo. Ela me pareceu muito com Evinha. Lembram? Evinha, aquela antiga cantora que fazia parte do Trio Ternura (ou seria Esperança?). Esse Alzheimer... Evinha, suas irmãs e irmãos, todos cantores ou empresários, hoje vivem fora do país e fazem muito sucesso na Europa. E eu vi Evinha diante de mim, com o mesmo sorriso, o mesmo olhar, só que cantando igualzinho a Lady Day. Que voz linda. E ela é uma simpatia, simples e divertida. Fiz amizade no ato. O que mais me agradou foram os seus olhos. Sabem olho úmido? Aquele olho que está sempre querendo deixar passar uma lágrima? Pois é... Vai ver, foi o astral da noite, pois, de repente, ela parou de cantar e falou: “Por mim eu vivia da música. Como eu gostaria de cantar o tempo todo, mas não dá!...”. Aquela lágrima, que quase saiu do cantinho do olho, estava trazendo uma confissão: a paixão pela música e a vida do artista, que tem que sobreviver. A arte não alimenta quase ninguém neste Brasil. Ela começou cantando: “Está fazendo um ano e meio, amor, que o nosso lar desmoronou...” (Pra machucar o coração, de Ary Barroso, 1943). Só que o ritmo era jazz puro. O teclado, o baixo e a bateria davam um show à parte. Como eu digo sempre: “felomenal”! Entre Ella e Billie, Leila cantava Bossa Nova em inglês. Tudo a ver... Bossa Nova nada mais é do que nosso samba-jazz. Dou até uma dica, minha xará: Cante, um dia, ”Influência do Jazz”, de Carlinhos Lyra. Leilinha, quando cantou “Disseram que eu voltei americanizada” (Vicente Paixão e Luis Peixoto), você colocou a Carmem no chinelo, ou melhor, nos tamancos, e incorporou uma Billie Miranda... Agora, cá pra nós, você cantou “Cry me a River” (Arthur Hamilton) melhor do que Caetano Veloso e Rita Lee. Ella Fitzgerald iria gostar de ouvir sua interpretação.
Batendo um papinho com Leila Maria, eu descobri que a minha harpista preferida, Cristina Braga, sobre quem fiz uma crônica recentemente, já tocou com ela.
Se eu fosse empresária dela, eu faria um show com as duas novamente (Edinho Gomes e Leila Márcia Rodrigues , acessoram a carreira de Leila Maria – quanta Leila...). O Marvin cuida da Comunidade Leila Maria no Orkut. Também podem conhecê-la através desta página: Durante o tempo todo que eu assistia o show, eu olhava para uma mulher sentada numa mesinha, tranquila, quietinha... Eu tinha certeza que a conhecia da minha vida toda, mas não sabia de onde. Uma impressão que eu tive há muitos anos, quando eu paguei o mico de perguntar a Nic Nicola de onde eu o conhecia... Ele era o avô do bebê que eu tinha acabado de colocar no mundo. Deve ser horrível para um ator este tipo de pergunta...
Para não cometer a mesma gafe, mas com a justificativa de que eu, na minha vida toda, pouco vi televisão, perguntei para Lina (gente fina), que servia as mesas, quem era aquela senhora.
“Ora! É Ilva Niño!”, disse Lina, sobrinha de Ilva, quase horrorizada comigo...
Ilva Niño Mendonça, atriz e professora de teatro (lembram da empregada da viúva Porcina em Roque Santeiro?). Ela, junto com Márcia Valéria e Luis Mendonça (ator, autor e diretor teatral), fundaram este espaço para divulgação das artes, sempre dedicados à educação e à cultura. O local está aberto para apresentação de qualquer tipo de expressão artística, tais como poesia, música, teatro, dança, etc.
Ai! Que emoção! Eu sempre gostei do jeito de Ilva interpretar. Ela sempre foi muito natural e consegue passar emoção, tanto no drama, quanto na comédia. Eu acho todo mundo uma gracinha, mas ela realmente é uma gracinha!
Amigos, as fotos podem ter ficado ruins, mas foi o que deu pra fazer com meus óculos vencidos, uma máquina de qualidade média e no breu total, ok? Pelo menos, são inéditas. Leila se apresenta às quintas-feiras. Se der, eu volto lá semana que vem pra registrar tudo com “A máquina”.
Às sextas a casa apresenta um samba jazz com o conjunto Robertinho de Paula e trio. Aos sábados, Wilson Meireles Trio e convidados.
Márcia me aconselhou não perder estes dois shows. Como a entrada é baratinha, dá pra vocês irem todos os dias e ainda podem me convidar! Eu topo!
Leila Maria (da Costa Pinto, família baiana mais que tradicional) está no seu terceiro CD (Canções do amor de iguais). Ela já fez parceria com vários intérpretes e compositores da melhor qualidade. É admirada no meio artístico e já andei lendo que os gays a têm como uma musa.
Ela contou, no show de ontem, que morou na Rua Taylor, número 31, lá na Lapa - local famoso por ser residência dos gays da redondeza. Quando ela tinha que dizer onde morava, era um inferno. Ela dava o nome da rua na esquina próxima, etc e tal - só pra não dizer o nome da sua. Eu passei por lá. Ela morava mal pacas...
Aí é que está a bonito da coisa: Hoje ela fala disso de peito aberto, com a cara lavada, sem o menor pudor e em público. Ela tem orgulho de sua trajetória e do que já construiu na vida. Percebi que sua pronúncia em inglês é perfeita. Acabei descobrindo que já foi modelo e professora de inglês.
É isso aí, mocinha. Continue seu caminho devagar e sempre. Espero que consiga sempre viver de sua arte e para ela.
Artigo de Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro que continua lindo, 19 de outubro de 2007
Para conhecer a voz de Leila Maria veja este pps, em Vídeos e slides: http://www.clubedadonameno.com/slides/mostra_slides.asp?id=102 Aqui passo o um recado de Leila para Leila, em 21 de outubro de 2007
" Oi, ´xará Espero que, entre uma cirurgia e outra, você tenha passado um bom fim de semana! Adorei o site, muito bem feito e, realmente, bastante interessante.
Relendo os e-mails que trocamos, percebi que não lhe disse onde você pode encontrar o disco. Por incrível que pareça, é mais fácil encontrar o disco anterior do que este último! Mas, de qualquer forma, você pode encontrar os dois, com certeza, na Modern Sound, em Copacabana, ali na Barata Ribeiro, quase na esquina com Santa Clara (me escapa o número...). O anterior se chama Off Key, onde gravei os standards brasileiros versados para o inglês, um projeto do produtor José Milton. O segundo é o Canções do Amor de Iguais, projeto do jornalista
e crítico musical do O Globo, Antonio Carlos Miguel. Há ainda um outro e que na verdade, é o primeiro (GPA, 1997), chamado Da Cabeça aos Pés/Vom Kopf bis Fuss, que não era "projeto" nenhum e, sim, um disco com músicas que eu gosto de cantar (só uma em inglês, uma pérola de Cole Porter, Get Out of Town) e canções minhas. Um repertório que eu quero muito poder voltar a fazer... Infelizmente, esse disco não se encontra mais à venda, pois o pequeno selo onde o gravei não mais atua no mercado fonográfico.
Alguns amigos dão sorte de conseguir os discos na FNAC, Livraria da Travessa ou Letras e Expressões. Ou, em último caso, se você costuma comprar na internet, pode fazê-lo no site das gravadoras:
Off Key - www.robdigital.com.br
Canções do Amor de Iguais - www.deckdisc.com.br
Agradeço o interesse e o carinho!
Um beijão!
Leila Maria"
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