Clube da Dona Menô
Dona Menô

Raça e Preconceito, cap I



A mancha mongólica

Ela era uma jovem de uns 20 anos, recém-parturiente e levava seu bebê à primeira consulta com o pediatra que fez sua sala de parto.
 
Ela era uma mulher de olhos azuis, caucasiana, chegava a reluzir de tão branquinha. Seu marido também era branco. Toda a família era branca! O bebê, entretanto, nasceu meio roxinho... A mãe até desconfiou que tivessem trocado seu bebê na hora do parto, essas coisas de novela, sacam? Ainda bem que ele clareou minutos depois...
 
As semelhanças logo foram observadas: o olhar do pai, a orelhinha da mãe, o narizinho do avô... Até o formato dos lábios era a cópia da sobrinha! Aquilo valia mais que um teste de DNA... Só que o sofrimento daquela mãe não tinha acabado, uma vez que o bebê nasceu de duas cores. Suas costas eram quase totalmente marrons e isto foi o principal motivo da consulta com o pediatra.
 
O médico, assim que recebeu o bebê, rolou-o pelas mãos, como se fosse uma bolinha de golfe, tão naturalmente que parecia que ia dar uma tacada em uma caçapa... Ele olhou, olhou, e disse:
 
- “Ora! É apenas a mancha mongólica! Eu já tinha visto. É um termo errôneo, mas usado muito popularmente. São áreas da pele mais pigmentadas, de uma cor que vai do cinza ao azulado. Podem aparecer no dorso, nas coxas e nos ombros. Geralmente desaparecem em dias ou meses...”.
 
- “Como assim mancha mongólica?! Meu filho não tem oriental no sangue!”, ela contestava.
 
O médico tentava explicar as coisas, mas já se ressabiando com a aversão da mulher a outras raças que não fosse a desbotada...
 
- “Mamãe, eu vou lhe dar as explicações cabíveis para a senhora entender. Não vou ensinar medicina nem embriologia, mas lhe digo que estatisticamente uns 20% dos bebês brancos nascem assim. Destes, 20% têm correlação genética com orientais ou índios. Mais que a metade está relacionada com a raça negra. Uma percentagem muito pequena é idiopática - não se sabe a origem e não se vincula à raça dos antepassados”.
 
A moça quase enlouqueceu e mostrou raiva em suas palavras:
 
- “O senhor está querendo me dizer que meu filho é crioulo?!”.
 
Ele não se fez de rogado:
 
- “Literária e historicamente seu filho pode até ser considerado crioulo, uma vez que é filho de europeu nascido nas Américas, mas, como a senhora vê, ele é branco – só que no momento, malhadinho..., mas não chega a ser um dálmata...”.
 
Ela estava a ponto de sair porta afora, mas resolveu enfrentar o profissional:
 
- “Meu filho não é preto! Eu tenho sangue de português, meu marido é português, meus parentes todos são espanhóis ou portugueses! O senhor está deixando passar uma doença em meu filho! Isso aí é doença de pele! Eu não admito ter um filho preto!”.
 
O médico não estava a fim de se aborrecer, mas não podia deixar de dar o troco, uma vez que ele mesmo era mulato:
 
- “Eu não sei bem a razão da mancha mongólica deste recém-nascido, mas pese a possibilidade de seu filho ter um pezinho na África...”.
 
Texto e fotografia de Leila Marinho Lage
Baseado em fatos verídicos
Rio, 15 de novembro de 2010
Em 20 de novembro comemora-se o Dia da Consciência Negra

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