Jantar no OKAMOTO-SAN
Autoria: Valentin Sebastião - Nickinho
Finalmente minha mulher convenceu-me a ir no Okamoto-San. E olha que ensebei quatro longas semanas... Eu lá sou homem de comer ménage a trois?! Sem contar que detesto peixe.
Recapitulando, estava na torcida de algum conhecido bater as botas; minha sogra aparecesse pra dormir em casa; o Lula lançasse um decreto, proibindo casais saírem de casa nos sábados à noite ou, até (Graças das graças), um disco voador aterrisasse no quintal e me desse uma mensagem para levar ao Papa.
Nada disso acontecendo, voltei DA cacheta mais cedo e bem devagar - mas, bem devagar mesmo - e fui tomar banho, enquanto minha mulher se arrumava no quarto.
Uma hora e meia depois, imaginando comigo mesmo que ela ficaria irritada com minha demora e desistiria, entrei no quarto. Ela quase tinha terminado a maquiagem. Faltava só escolher os sapatos, as roupas e que par de brincos – pérola ou diamante? – que ia usar.
Vesti um jeans. “Jeito nenhum!”, resmungou ela, com um olho no espelho e outro em mim. “Se o senhor pensa que vai sair todo desarrumado num ambiente fino como aquele, pode tratar de tirar o cavalinho da chuva! Trata de botar uma calça social e camisa de manga comprida!”.
Tentei retrucar: “Benhê, tá muito calor. Eu vou melar dentro da roupa!”.
- “Pelo menos será um melado chic”.
Bem, aqui estamos nós no carro a caminho do maledetto Okamoto-San. Ainda tentei o Maktub, onde as pizzas são angelicais: o trânsito calmo (fica no bairro São José, bem afastado do Centro) e um precinho convidativo. Mas, o sonho dela era jantar comida japonesa, com todo aquele ritual de fresco ou de quem não tem o que fazer.
Chegando lá, se foi dez paus para o manobrista, um nortista de cara amarrada e ridículo, num quimono cinza claro com umas letras esquisitas bordadas – iguais a umas que já vi tatuadas nos braços dos rapazes duma gang local de pixadores.
Uma japonesinha nos esperava na porta. Entregou o cardápio numa mesura tão exagerada que eu, de imediato, não entendi e fui ver se tinha derrubado alguma coisa no chão. Um leve beliscão na costela e me aprumei. Fomos encaminhados para uma saleta do lado direito onde devíamos tirar OS sapatos.
- "Benhê! Minha meia tá furada!".
E não mentia! Na troca de calças, com raiva havia pegado o primeiro par e furado no dedão. Foi por isso que esperamos os outros dois casais terminarem o desnudamento pesal para só depois eu tirar os meus rapidinho e socar as meias dentro.
Com minha mulher sacudindo a cabeça, segui atrás até o salão principal, onde seriam servidos os comes e bebes.
- "Melhor ir embora!".
- "Por que?".
- "Estão limpando o salão".
- "Como assim?".
- "Nem as cadeiras colocaram!".
- "Fica quieto aí e não dá vexame!" – foi quando aconteceu o segundo beliscão.
Sentamos no chão, enquanto eu pensava no quanto o Japão é um país pobre: nem cadeiras os japas compram para colocar nos restaurante. Senti que eu não ia ficar bem...
Explico! Não sou um sujeito propriamente magro. Digamos que não sou gordo, mas até chegar a ser definido como atlético, tenho que perder bem uns 20 quilinhos (a maioria localizados na bunda e na barriga). Sendo assim, e diante da dificuldade que os não magros têm para se sentar, pressenti o sufoco por que passaria.
A maioria das pessoas no local – umas trinta – estava “confortavelmente” sentada na posição flor-de-lótus, aquela com as pernas cruzadas e os calcanhares um sobre o outro. Minha mulher deu uma ajeitada no vestido e... pluft!... sentou. Em compensação, sem que ninguém visse, dei uma afrouxada no cinto, com uma vontade louca de abrir o zíper, para facilitar um pouco mais, e desabei. O curanchim fez trec. Fiz cara de dor, mas a expressão no rosto da minha esposa me tirou qualquer vontade, por mínima que fosse, de reclamar de alguma coisa.
Tentei sentar de lado com a mão esquerda apoiada no chão, mas, cá entre nós, ô posição de bichona é essa! Por isso mesmo, aguentando dor, sentei normal (?).
Foi quando percebi o leve odor de pé suado. Não chegava a atingir o status de chulé tipo queijo Rochefort, mas, no ambiente nipônicamente fechado, alguém ia sentir. A cara amuada DA vizinha de mesa denotou de imediato.
Discretamente, fui ao banheiro lavar os pés. Tinha mais quatro ali, no mesmo rito tribal: primeiro um pé na pia, o corpo se equilibrando a a segurada no secador a vapor, depois o outro, tomando um cuidado desgraçado para não cair.
Voltamos os cinco ao salão, com o mesmo ar de cumplicidade no rosto. As mulheres, se perceberam algo estranho, disfarçavam muito bem.
Mal sentei, apareceu a garçonete, uma japonesinha linda, num quimono florido, naquele passinho segura-peido:
- "Que desejam para beber?".
- "Que cerveja vocês têm?".
O olhar que minha mulher lançou do outro lado da mesa foi uma mistura de Alien com Mr. Hide.
- "Dois saquês!".
- "Benhê, eu nunca tomei esse troço antes. E se for ruim?".
- "Querido (será que havia um tom irônico no elogio?), nós vamos beber saquê e fim de papo!".
E antes que eu pudesse revidar:
- "Por favor, mocinha, traz a bebida rápido!" – e fez um sinal inequívoco de decapitação para mim.
No caminho de volta, ela mal falou. Abriu o portão da garagem com força, quase quebrando a beirada do muro, e ficou ali, batendo o pezinho no chão sem parar. Entrei; fechei o carro; tranquei o portão da garagem, que ela havia deixado aberto; meio arisco, adentrei à sala.
Como era de se esperar, ela estava sentada no sofá, olhar mortal na minha direção, a perna balançando sem parar. Minhas filhas haviam acordado e estavam paradas na escada, olhares às vezes em mim, às vezes na mãe, esperando a briga.
Liguei para a Maktub e encomendei duas pizzas (uma calabresa, outra de aliche); abri uma cerveja; saí até na porta da sala e acendi um cigarro, esperando o entregador.
No silêncio reinante fiquei a pensar porque minha mulher tinha ficado tão brava. Eu não tinha ficado irritado pelos 120 paus gastos em bebida, comida e manobrista, nem de ter vindo mais cedo do joguinho de baralho. E ela teve um piripaque só porque eu tinha pedido pra fritarem os peixinhos! Não é muita porquice comer os bichinhos crus?!
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