Clube da Dona Menô
Dona Menô
A "PERCA" DO ROMANTISMO



 
Seu Márcio é o marceneiro mais famoso do bairro. Se existe algum móvel na imaginação de uma dona de casa, que loja nenhuma faz, ele faz, e por preço bem mais barato, apesar da lenda que reza que mão de obra particular sai bem mais cara.
 
Ele vive de bem com a vida. Quando ele chega à minha casa, para dar continuidade à reforma de meus móveis, sempre chega antes o seu sorriso. Eu pergunto como ele está e sua resposta sempre é: "Muito bem!".
 
Ele é simples. Não me parece ser pobretão, mas também não tem lá grandes coisas na vida. Talvez por sua pouca cultura, que observei pelo seu vocabulário restrito e errado, fico pensando se é justamente pela falta de estudo que ele se sente tão feliz, já que a gente teima em achar que pessoas não escolarizadas não entendem das coisas. É o oposto:  quanto menos existe em intelectualidade, mais prazer há em simplórias coisas...
 
Acho que o que mais pesa para a felicidade de uma pessoa é sua personalidade e o que lá no passado frustrou tal meta. Trazemos carências ancestrais arraigadas às nossas prioridades na vida. Como o amor, pois a ausência dele nos deixa irrealizados. Não poder compartilhar o amor, o “não ser amado”, o “não ter o ser amado”, o “não ter sido amado” determinarão ao longo da vida nossa concepção de felicidade.
 
Isso eu observei naquele homem, que ao dar um intervalo para o cafezinho, sentado num banco baixo, com o cotovelo no joelho, com a xícara na mão, mais parecido com "O Pensador", olhou para o nada e disse que teria que sair mais cedo para levar sua princesa ao dentista.
 
Perguntei se a princesa, obviamente a sua esposa, não seria melhor comparada à rainha. Ele disse que não, pois, mesmo tendo se passado mais de 30 anos com a mesma mulher, ela ainda era jovem para ele ("E rainhas são velhas!").
 
Perguntei qual era o segredo para tanta admiração e, neste momento, seus olhos se dirigiram a mim, porém ainda distantes, como se falasse sozinho, e disse: "O que mata o amor é a “perca" do romantismo".
 
Automaticamente, como num vício de profissão, me veio uma vontade enorme de questioná-lo sobre todos os segredos românticos que alimenta uma relação duradoura. Eu bem quis me enfronhar em sua vida sexual (uma invasão). Eu queria saber o que eles conversavam; eu queria saber tudo dele - não por ele, mas pelo que aquele homem mostrava de sinceridade e realização, uma vez que em nossa sociedade estamos acostumados a encarar o sexo masculino como um ser que morde o corpo e sopra a alma.
 
Restringi-me a perguntar se eles passeavam muito. Ele disse que pobre não passeia; que pobre aproveita feriado pra dormir.
 
Insisti: "A sua esposa deve ser carinhosa com o senhor, não é?".
 
Ele devolveu prontamente: “Ela me faz cafuné...".
 
Imaginei a cena. Como é importante um cafuné... Ainda mais depois de tantos anos. Não quis me alongar, pois o dia estava ficando curto e aquele café já estava gelado. Apenas complementei: "Cafuné é bom....", como se eu tivesse que preencher suas palavras com um comentário tão óbvio.
 
Quando eu já me virava para trabalhar, ele veio com esta pérola: "Cafuné é bom pra mim. Pra ela é escravidão!".
 
Realmente, cafuné é extremamente cansativo para quem o faz, se demorar muito. Pior é que quem o ganha sempre quer mais e mais...
 
Novamente não consegui chegar ao nível daquele homem e perguntei: "Então por que o senhor pede cafuné?...".
 
Ele retrucou: "Eu não peço. Apenas ela o faz, sorrindo pra mim".
 
TEXTO E FOTOGRAFIA

Leila Marinho Lage

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