Internet, a revolução pós-moderna
Paranóia ou mistificação?
Há exatamente 84 anos nós tivemos o maior escândalo literário brasileiro, até então: A Semana da Arte Moderna, quando alguns artistas, dentre pintores, escritores, arquitetos, artistas plásticos, etc, resolveram mostrar suas obras e romperem os elos com o academicismo europeu.
Até hoje temos influência desta revolução. Apesar de já serem reconhecidos naquela época, o mundo passou a entender Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Bandeira, Drummond, Oswald de Andrade, Cecília Meirelles e uma infinidade de gênios.
Monteiro Lobato, o mesmo do Sítio do Pica-Pau Amarelo, “meteu o pau” nas pinturas de Anita Malfatti, as considerando "paranóia e mistificação". Posteriormente, se arrependeu do que disse, pois entendeu que não se pode criticar o que não se conhece – mesmo que não apreciemos tal arte.
Era o caso de Tarsila: pintava formas horrendas, homúnculos, com pés grandes, assustando as pinturas exatas, figurativas. Hoje ela seria uma excelente programadora de artes virtuais...
Villa Lobos tocou de fraque e chinelos. Vanguarda ou estava com o pé machucado?
Quem foi o Villa? O da Ária Cantilena. Que isso? Bachianas Brasileiras nº 5. E o que é isso? Bem, decerto já ouviram em algum casamento...
Vale lembrar que o modernismo não era autoria brasileira, mas uma tendência mundial.
Foi através dele que, nos dias de hoje, aceitamos o verso livre, sem rima, métrica, sem nada, e achamos o maior barato...
Drummond se valeu disso, para, mais tarde, escrever : “No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho” – detonando a concordância verbal. Mas, poxa, HÁ pedras no caminho de todo mundo! Chico Buarque abusava disso em suas músicas, cantando tal qual falamos no português coloquial.
Quando eu era garota fiquei fascinada com uma música que ouvia na rádio, do Caetano Veloso. Dizia: Navegar é preciso. Viver não é preciso “.Tinha a melodia de um fado e, a princípio, achei se tratar de um deboche com os portugueses.
Anos depois, eu conheci as poesias de Fernando Pessoa e lá estava a frase em “Navegar”. Só que o Pessoa apenas imortalizou a expressão. Ele se referia às obras de Camões, o grande poeta dos mares, que também não foi o autor da frase e, sim, Pompeu (Navigare necesse; vivere non est necesse").
Não sou nenhuma expert em literatura, apenas curiosa. Passo muito tempo procurando os textos originais dos autores e, com isto, aprendo.
Recebi recentemente, pelo e-mail, um PPS com o poema de Pessoa, só que com palavras que jamais se falaria em sua época (1888/1935).
Como Veríssimo bem falou, o que está na Net não é mais de ninguém. Sempre foi assim, na verdade. Os enganos acontecem. E os autores famosos são as principais vítimas de plágios, quando não lhes roubam séculos de suor em cima de um texto.
Por isso, a necessidade de se registrar em órgãos oficiais tudo o que se escreve, apesar de se tornar caro e inalcançável para a maioria dos brasileiros.
Por isso, o dever moral de darmos os créditos a quem se é devido e passarmos a arte tal qual ela foi realizada, sem deturpações.
Só não entendo (acho que não) porque atribuir coisas a autores, como acontece com Luis Fernando Veríssimo (Nosso Drummond de hoje). Uma crônica que rola por aí, sobre o dia em que ele se cagou nas calças num aeroporto, é uma obra prima na redação e no relato hilário sobre uma situação insólita e constrangedora. Pelo menos, eu morri de rir e rio até hoje. Gostaria muito de saber quem a escreveu e lhe faria elogios.
Vejamos o caso de Sarah Westphal, que escreveu "Quase" – texto atribuído a Veríssimo. Realmente, é um lindo texto, mas quando ele se pronunciou, logo passaram a pichar a jovem escritora e diziam se tratar de um texto primário, pobre.
Caramba, enquanto era de Veríssimo a coisa era divina!
Ler, entender, sentir e apreciar o belo. Transportar-se a mundos vários através da arte, seja ela divulgada em um livro, num jornal ou pela Net, isso é “navegar”.
As múltiplas informações adquiridas na Internet, o hábito de se ler rapidamente, como se a cultura fosse algo passageiro, superficial, fazem com que a geração do mundo virtual troque alhos por bugalhos, um samba de crioulo doido. Ninguém mais tem a paciência em pesquisar, procurar se informar e de conhecer o estilo de cada autor.
É a Internet, caros amigos: uma vasta fonte de conhecimento, mas mãos de uma geração que pode estar deformando nossa cultura e perpetuando estes erros para as futuras gerações.
Como dizia Chaplin: “Assim, tudo será perdido”.
Como dizia Fernando Pessoa: “O mais é nada”.
Leila Marinho Lage
Rio, fevereiro de 2006
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