Clube da Dona Menô
Dona Menô



Praça Floriano



Eliana Rocha saca de Centro da Cidade. Muita gente sabe dos cantos da Cidade... Eu não entendo nada!
Além, de ter um péssimo senso de direção, nunca fui ligada mesmo no Centro do Rio. Dizem que isso é coisa de madame, que não gosta de tumulto. Pode ser...
Para mim Centro lembra sempre coisas desagradáveis a fazer, todas de ordem burocrática. Fora aquela gente suada em cima de mim, correndo pra lá e pra cá, ruas empilhadas de carros, camelôs, vendendo de tudo um pouco, aquele cheiro de mijo no ar, trombadinhas por todos os lados, furto e roubo de carros (coisa normal em qualquer canto...), mendigos, crianças abandonadas nas ruas, sujeira, pichação de monumentos - tudo é pichado. De repente, um ambulante esfrega um bilhete de loteria na cara de um empresário que passa; uma dona, toda bacana, de salto alto, enfia o mesmo num dos milhares de buracos da calçada. Ouço dezenas de despertadores de Taiwan tocar, cada um com a hora de um país...
Eu sinto algo molhado pingar na minha cabeça. Ainda bem que é apenas uma cachoeira vindo de um ar condicionado, na frente de um enorme prédio. Pelo menos, eu tentei me convencer disso, para não enlouquecer. Corro para atravessar a rua. Sinal fechado, mas um táxi, louco para conseguir passageiro, avança em cima de mim e ainda reclama que eu estou atrapalhando. Uma poça d’água mancha minha roupa. Quer dizer, o carro que passou por ela é que me sujou, mas, certamente, ele diria que a culpada era a poça.



Câmara dos Vereadores

“Onde fica a rua?”. Eu me perdi... Um tapume escondia as fachadas dos prédios, tomava conta das calçadas, desviando o povo para o asfalto.
Quarenta graus e todo mundo com o paletó na mão. Quero beber um refrigerante. Entro num boteco imundo. Não dava... Até o canudinho era preto de tanto pó. Resolvo entrar num restaurante. Hora do almoço. Quem disse que eu consigo? Até dava, se não fossem meus sintomas...
Agorafobia. Eu tive uma crise de agorafobia. Até então, eu não me tocava no que era isso, até me sentir uma formiga entre prédios imensos, uns muito modernos, outro que pareciam feitos para filme trash de terror. Os carros, as pessoas (multidão mesmo), corre-corre, calor, barulho, olhos arregalados, gente com medo do tempo, com medo de assalto, com medo dos compromissos, com medo de tudo. Será que estavam com medo ou apenas eu estava?
Vi que nem todo mundo andava assim. Paralelo a este mundo, bêbados curtiam a visão dos deuses e mulheres com bolsas, prontas para compras. Alguém passa e me dá um esbarrão. Eu me escoro num portão. E que portão... Um dos mais lindos portões que vi na vida. Se não me engano era de uma companhia de navegação, mas a agorafobia era tanta, que até poderia ser uma igreja - eu nem estava aí com os céus...
Taquicardia, sudorese, palidez, cansaço, medo, desorientação, irritabilidade, respiração dificultada. Eu tive uma mini crise de agorafobia. Odeio Centro da cidade!
Um dia me chamaram para acompanhar as fotos de meus sobrinhos, que faziam parte de um grupo musical. Eles iam fazer um book e queriam imagens do Centro da Cidade. Isso há alguns anos atrás. Uma amiga jornalista nos acompanhava e ela foi a primeira guia turística que eu tive na minha própria cidade. Parei para observar lindas fachadas, igrejas que eu deixava de observar no tumulto, cantos bucólicos, ruas largas, ruas estreitas, riquezas em detalhes, que somente olhos sonhadores percebem, nesta cidade louca.
O problema era a violência. É muito fácil ser assaltado em pleno dia no Centro. Como num domingo as ruas morrem, ficava ainda mais fácil ser alvo. Se bem que até bandido não se via. Quase não se via ninguém!




O turismo no Centro da Cidade está mudando isso tudo. Hoje temos atividades nos fins de semana, o comércio melhorou, restaurantes muito bons recebem pessoas de todos os lugares. Em alguns os locais é extremamente aprazível passear. A feira do Rio Antigo foi uma grande jogada a dos comerciantes e do Governo. Não é somente no primeiro sábado de cada mês. Sempre está cheio de atividades artísticas e culturais, de dia e de noite, pelo menos em alguns locais. É só saber onde mora o perigo (maior...).
Tive mais dois guias turísticos, e foi recentemente: meu sobrinho Mayco, que é expert em ruas, cantos, becos e qualquer coisa que exista no Centro da Cidade. Ele diz que é a vantagem de ser pobre e andar de ônibus ou a pé. A outra foi Eliana Rocha, mulher batalhadora, mas que adora a boemia, e conhece todos aqueles restaurantes e bares do Centro.




O must, pelo que observo, é ir ao Amarelinho, um bar e restaurante tradicional, embaixo do prédio Amadeus Mozart, de frente para a Biblioteca Nacional, ao lado do teatro Municipal e da Câmara dos Vereadores. 
Realmente, sentada numa cadeirinha qualquer deste bar, a gente admira construções de séculos, lindas. Também estão lá a estátua do Marechal Floriano, ao lado da biblioteca e do maestro Carlos Gomes, olhando para o teatro.
Era muita coisa para ver, com olhos de turista, então tive que aceitar sentar no tal do Amarelinho, que Eliana ama de paixão, apesar de ser dia e a tribo dela não ter chegado. Pedi para ela, quase como uma criança, para deixá-la sozinha e fotografar os arredores. Ela permitiu... 
Eu parecia o bambi na floresta encantada, correndo, pulando e abaixando para pegar o  melhor ângulo. Mas, que nada: as fotos saíram uma droga. Êta coisa ruim tirar fotografias destas estátuas de tarde! Faz muita sombra.




Perto do Floriano, bem embaixo dele, mendigos descansavam. Uma mulher me pediu um cigarro:
- “Não tenho”.
- “Serve uma esmola”.
- “Também não tenho. Só tenho uma máquina fotográfica”.
- “Isso não se fuma, não se bebe, nem se come!”.
Eliana, lá de longe, levantou a crista. Parecia o guarda Belo. Eu olhei para ela rindo e ela se acalmou. Afinal, mendigo (mendigo mesmo) dificilmente assalta.



 
Teatro Municipal

É uma tristeza ver tanta miséria espalhada entre monumentos riquíssimos, onde personagens que lutaram pela nossa história têm como vizinhos os moradores de rua.
Contraste de edifícios modernos com construções antigas, caprichosamente adornadas, algumas até bem conservadas. 
Cinelândia, como no texto que Eliana fez sobre a História do Centro, é tudo ao redor desta praça. Mas, é um tudo muito longe, indo a pé! Haja sapato! E, quem quiser fazer o mesmo caminho, seguindo meu roteiro, é melhor ir de tênis. Saberão nos próximos capítulos...

Leila Marinho Lage
Outubro de 2007



Portão da Câmara dos Veradores


Eliana Rocha no Amarelinho

Fotos de Leila Marinho Lage e Eliana Rocha
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