Clube da Dona Menô
Dona Menô

BAÚ DE RETRATOS

Depois de tantos anos resolvi mexer no meu velho baú. Sento no chão e abro a minha vida. Espalho retratos do meu passado e libero o cheiro de coisa guardada para dar asas ao meu pensamento.

Aqui estão as minhas primeiras fotografias: roupa de bebê, chupeta melada, nariz escorrendo. À minha volta gente com uns cabelos estranhos - todos jovens. E, como uma rainha, vejo minha mãe - aquela doce face de bondade e amor.
 
Sinto o calor daquele dia. A pureza paira no ar.
 
Olha essa... Nossa! Nem lembrava mais dessa turma. Como pode? Depois de tanto tempo a minha mente capta este dia como uma frenética viagem de neurônios dentro deste computador que é meu cérebro.

Aqui eu estou na escola: roupa limpa pela manhã e suada na hora da saída. Colegas que hoje nem sei onde estão. O que eles fazem? Eles lembram de mim? Ouço as vozes das crianças brincando e o salvador sinal do recreio. Eu sinto o gosto daquela bala que eu adorava e não encontro mais em lugar nenhum - os dentes sujos e a alma limpa.

Prazer... Eu era feliz e não me dava conta disso.

Caramba! Aqui eu tinha uns quinze anos! Bonita... Como era bonita a juventude: pele macia, olhos brilhantes; sonhos, esperanças, inocência; os amores eternos e o coração batendo forte só de pensar em beijar.

Este quarto se enche do meu perfume predileto, que marcou tantos momentos. Lembro daquela roupa que me caía tão bem. Muitas roupas agora me vêm à lembrança.
 
Ouço as músicas daquela época – quando eu dançava... A dança foi sendo substituída por papéis, documentos, contas a pagar. Um baile de roupas flutuantes se despediram e saíram pela porta dos fundos.

Aqui neste maço cheguei à vida adulta: amores perdidos, amores realizados, meu trabalho, a família. Situações cotidianas: a casa antiga, o sofá, aquela prateleira cheia de objetos inúteis, mas imprescindíveis; vem o cheiro de bolo no forno, a louça se tocando, o café fresquinho... Ouço o gostoso barulho da rua – sons que conviveram comigo em momentos de paz e de descanso.

Pego em fotografias dos que já se foram. Viveram intensamente junto a mim. Sinto falta deles: carinho, tristeza e lágrimas que até hoje insistem em voltar. Eles já se não existem mais e o amor dá lugar à saudade.

Vejo que com o tempo as fotos vão diminuindo em número e em tamanho: fotos cortadas, manchadas, fotos sem graça. O que eu fiz com o meu tempo que não lembrei de fotografar? O tempo era curto. O tempo agora está menor...

Percebi que deixei de registrar aquele passeio e aquele momento divino. Puxa, eu bem poderia ter documentado aquela reunião, o susto do filho, a dúvida do filho, o perdão do filho.

Cheiros, sons, cores, paisagens, o rosto dos amigos, dos parentes, os sorrisos. Minha mente arquivou tudo, arrumou nos cantos e foi só eu vasculhar o baú para me fazer voltar ao  tempo e reviver o meu passado. 

Tudo isso ficou registrado e, no entanto, nem lembro do que comi ontem.
A velhice está chegando? Estou mais só? O tempo parou pra mim?

Que nada! Na minha cabeça está o mundo, e este ninguém tira de mim.