O dia adia, cap II - Lembrei de você
Esta é a segunda crônica (ou sei lá o quê) sobre o “Dia adia”.
Não está errado, não! É apenas uma analogia linguística entre o dia a dia e o que a rotina nos obriga a adiar para nunca mais.
Sabem aquele dia que a gente pára e diz: “Vou ligar pra fulano ou fulana” pra nada? Hoje foi o meu dia...
Acho que com o tempo e a idade estou ficando mais carinhosa. Carinho é coisa que tenho muito, mas no “dia a dia” eu quase que escondo isso e adio para outro dia o que se poderia fazer agora.
Com gente da família a gente tem arranca rabos mas logo logo a gente acaba se entendendo (ou nunca se entende), mas com os amigos sempre presentes, talvez mais do que a família, a gente acaba não desejando o “bom dia” que precisávamos dizer, na hora certa, não é? O ano inteiro na batalha, na nervosa rotina, quase que histérica, sempre cuidando de alguém, sempre tentando saldar dívidas, sempre discutindo, etc...
Hoje tive contatos que jamais pessoas comuns poderiam ter. Não falo por ser prepotente, mas o que a minha profissão me reservou. Jamais poderei passar os diálogos e a intensidade do que foi dito, tanto com os colegas quanto com os pacientes.
Pela primeira vez na minha vida eu me adiantei e liguei para pessoas que me ligam ou me visitam sempre no Natal. Talvez tenham achado que eu estava com algum problema muito sério... Não estou, não!... Na na na ni na não! Muito menos estou me candidatando a algum cargo político ou vendendo algum produto.
Surpreenderam-se, né? A máquina ligando?... A máquina ligou, mas a máquina lembra de vocês sempre e está aqui pra hora certa, quando ninguém mais liga. A máquina pensa em algumas pessoas intensamente e tem estas pessoas como parte de sua vida, mesmo pacientes.
Hoje dei uma de Menô. Talvez alguns vejam um número meio pornô que começa com 9669 no celular. Outros nem tentei mais, porque ninguém é de ferro, né? E odeio telefones. Dona Menô, quando me incorpora, só dá uma chance e ela hoje só deu umazinha, entendem?... Quem recebeu, recebeu. Quem não recebeu, se lambeu...
Agora eu passo a resposta ao Dr Leon Cardeman e sua filha, que são patologistas muito conceituados aqui no Rio, principalmente por eu ser amiga deles e os amar desde quando recém formada:
Sheilinha e Dr Leon
Os anos se passam, eu passei e vcs passaram por tantas coisas.
Eu, de vez em quando, soube e participei de alguns dramas, alguns momentos (fugazes ou trágicos momentos), como também participaram dos meus.
E tantos anos juntos...
Milhares de pedidos de "preventivos", peças para histopatológicos, máquinas fazedoras de saúde. Um dependendo do outro, mas sem tempo nem pra se comunicar.
Um dia a gente recebe a ligação: "Dra Sheila ao telefone ou Dr Leon".
Eu penso: "Lá vem bomba...". Fico imaginando de quem é o próximo problema...
Um fazendo a sua parte e outro a dele. Um dia a gente percebe que do outro lado existe "gente". A gente às vezes está sofrendo, às vezes está doente, às vezes está triste, mas nem vocês nem eu podemos estar desatentos.
Dr Leon eu só conheci pessoalmente uma vez, há mais de 20 anos (acho que perdi a noção do tempo, acho que é mais), mas temos contato constante e soube de suas vidas, de suas famílias, de sua história aos poucos:
- "Oi, como vai? Qual a tragédia do dia?".
- "A minha ou a do paciente?".
- “Primeiro a sua, que vai ser esquecida (infelizmente, em minutos), depois diga a do paciente, que eu tenho como responsabilidade".
- "Bem, eu não to tão legal, mas o doente desta vez está melhor que eu!".
- "Então, tá. Dá pra continuar trabalhando?".
- "Quem? O doente ou eu?".
- "Os dois...".
- "Até dá...".
- "Então, vamos à próxima etapa!".
- “Falou!".
- "E disse!".
Eu posso dizer que vcs são gente e eu os amo - pelo tempo que se passou, pela confiança profissional, pela simpatia, pela parceria.
Somos formiguinhas tentando sobreviver, mas cuidamos de gente. Dependem de nossa capacidade profissional e de nosso momento espiritual a vida e o destino de tantas pessoas.
Não somos normais, não somos comuns, não somos compreendidos, não somos gratificados à altura, mas somos guerreiros, somos sonhadores, talvez Quixotes da atualidade, mas SOMOS!
Feliz Natal a vocês, que comemoram ecumenicamente a minha data.
E a todos os meus familiares, minhas meninas, meus amigos (de trabalho ou não), aos colegas da batalha, etc, etc, um etc... maravilhoso.
Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro, que é lindo, 23 de dezembro de 2007
www.clubedadonameno.com
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