Clube da Dona Menô
Dona Menô

Nenci Bertolani apresenta o projeto Humaniza

Amigos, quando eu fui ao Fórum Social Mundial este ano, conheci rapidamente o grupo da cidade de Limeira, SP. Lá eu tive contato com Nenci Bertolani. Basicamente trocamos telefones e ela disse que não queria tirar foto sem seus óculos. Como ela ficou muito na dela durante todo o evento, como escrevi no segundo texto desta série, não pude a conhecer melhor, mas algo em seu olhar, não me perguntem porquê, me deixou curiosa a seu respeito.
Insisti pelo e-mail com os meus amigos, que retornaram para sua terra, que me fizessem ter maior contato com ela. E é com muita satisfação que eu agora publico um texto por ela escrito especialmente para o Clube da Dona Menô.
Esperei quietinha, como ela, que chegasse o Dia Internacional da Mulher para o publicar.
Leila Marinho Lage
Rio, 8 de março de 2008
http://www.clubedadonameno.com

Ciclos da vida

Todos os dias eram de tristeza intensa. Só em imaginar a noite que teria que enfrentar, já sentia a depressão.
As tardes eram de espera. Desejava que numa noite daquelas uma luz aparecesse e me mostrasse o caminho, um destino melhor. Mas anoitecia mais uma vez e eu tinha que enfrentar a realidade das ruas. Eu dependia da prostituição pra prover meu sustento. Sem ela seria pior, já que eu tinha tentado viver sem batalhar, mas passei fome, estive sem ajuda e sem proteção. Não encontrava outro jeito.
Das noites só tenho lembranças dos maus tratos. Pessoas legais eram poucas. Mesmo quando apareciam, era por pouco tempo. Elas ouviam minhas dores e desapareciam, deixando-me ainda mais só.
Assim seguiam meus dias e noites sem que nada acontecesse para que eu voltasse a ter vontade de acordar no dia seguinte.
Por algum tempo tentei ficar sem dormir pra que o outro dia demorasse mais pra chegar. Isso foi me definhando e acabei doente. Demorou pra que os médicos descobrissem o motivo da minha insônia. Tomei durante muito tempo remédios pra conseguir conciliar o sono.
Não demorou e as drogas foram minha forma de fugir daquele círculo vicioso em que eu mesma havia me enterrado, enterrando-me cada vez mais. Consegui ir mais fundo naquele poço, um abismo sem fim, de onde já pensava que nunca iria conseguir sair. Acreditava que minha alma já estava no inferno, e realmente estava, só que era o inferno terrestre.
Dentro de mim, lá no fundo, ainda ardia uma chama de esperança para mudar tudo aquilo. Eu sabia que em algum lugar haveria um espaço pra mim, mas eu não tinha sequer forças para procurar.
Tentei de diversas maneiras, mas tudo dava em nada, e lá estava eu de volta para a prostituição e para as drogas.
Muitas pessoas gostam de ilustrar esta vida com palavras bonitas (garotas de programas, acompanhantes de executivos....), mas, de todas as formas que chamam esta vida, não mudará o sentimento que vai dentro destas mulheres. A solidão, a tristeza e o desalento andam juntos com a maquiagem e as mini-saias, que tentam em vão ilustrar uma vida miserável de amor, onde o dinheiro é pouco pra suprir tamanha falta de esperança.
Mas, como todo ciclo tem seu começo e fim, um dia li num anúncio de jornal que um empresário estava propondo um curso de música. Resolvi ligar para o número e saber mais sobre o assunto, sem saber estava fechando um ciclo em minha vida e começando um outro totalmente novo. Neste dia eu renasci sem saber.



Vicente Pironte, um empresário empreendedor e com muita visão de futuro, um poeta, escritor e um amigo, daqueles que é difícil encontrar na vida, e que quando o encontramos, são capazes de mudar tudo.
Comecei o curso de música erudita sem saber ao certo do que se tratava, mas logo fui me enturmando com maestros do mais alto gabarito. Além de excelentes profissionais, eram todos muito receptíveis e amigos.
Junto com Vicente estavam o maestro Edsom Ransen, maestro Luciano Filho e o maestro Jefferson Ribeiro. Pessoas que, apesar de terem um histórico muito rico e terem  tocado com duplas e cantores famosos, mesmo assim, mantinham a simplicidade das pessoas puras de coração e mente.
Logo no segundo mês fui convidada a assumir o cargo de coordenadora do Núcleo de Justiça Social, que aceitei com carinho e procurei fazer o meu melhor.
Comecei a receber uma bolsa de estudo, que não era muito, mas era o suficiente pra que eu deixasse de ir para as ruas e pudesse me dedicar cada vez mais aos estudos, com muito esforço e com a ajuda imprescindível dos meus mestres. Acabei o ano como monitora da minha própria turma, auxiliando nas aulas de flauta doce.
Quando Vicente abriu a sede da Humaniza, me convidou pra ser gerente estagiária da empresa - o cargo requer muita responsabilidade e lealdade, mas faço tudo com carinho. Faço as duas coisas que mais gosto: escrever e lidar com pessoas. Em breve terei livros meus editados.



Também tenho outra ocupação que gosto muito, que é a produção de espetáculos e apresentações. Hoje em meu currículo de jovem produtora já tenho várias coisas importantes, como o Fórum Social Nacional no Rio de Janeiro, o Fórum Social Mundial, lançamento de CD, trabalhos em teatro e outros.
É muito gratificante trabalhar com uma pessoa como Vicente Pironte, que mais que um chefe, se preocupa conosco como seres humanos. Se não estamos bem, se não estamos em condições de realizar o trabalho ou se não estamos da que maneira ele quer, poderá nos ajudar, nunca reprimindo, mas sempre incentivando com seu positivismo, tendo sempre uma palavra de carinho. Mesmo quando erramos, ele tem uma palavra boa que nos permite corrigir nossos erros e aprender com eles.
Hoje estou em outro ciclo de vida. Sou uma pessoa feliz e realizada, com incentivo pra crescer ainda mais no futuro.
Vários outros projetos serão realizados em minha cidade este ano e fico feliz em dizer que já fui convidada a participar.
Sinto-me uma pessoa totalmente integrada à sociedade, respeitada por mim e por ela, mas não quero esquecer de meu passado e, sim, usá-lo pra dizer pra outras mulheres que, se elas se encontrarem em situação de risco, sempre haverá uma saída. Devemos acreditar sempre que Deus está conosco, por pior que seja o caminho que trilhemos. Ele estará lá sempre ao nosso lado.



A empresa  Humaniza de dedica ao desenvolvimento social. Trabalhamos com moradores de rua, ex-viciados, prostitutas, enfim, um projeto direcionado às pessoas que vivem nas ruas. Dentre sua programação, destaco as aulas de música e palestras em empresas com este pessoal, que tem em seu passado um material muito rico.
 
Conheçam a Humaniza
www.humaniza.com.br
Sobre Vicente Pironti
http://www.humaniza.com.br/vicente.html

Nenci Bertolani
Limeira, São Paulo, fevereiro de 2008