A Mudança (07) Após lerem o texto, ouçam a música “Baila Comigo” e vejam meu PPS La Casa (links abaixo)
Eu não sei onde estão meus pen drives. Eu tenho aqui umas três caixas fechadas onde está escrito “ESCRITÓRIO”. Ainda faltam abrir as de panos de prato, duas de toalhas de mesa e as de perfume – coisas que são prescindíveis no momento. Em relação aonde eu morava, isso aqui é um iglu. Eu virei faquir e só como banana, pois em cima do fogão estão os lustres a serem montados no teto. Só encontrei o pó de café hoje de tarde, na geladeira, dentro de um saco. O freezer virou armário... O morador daqui não tinha gavetas. Eu sinto falta de gavetas e prateleiras! Não pensei que eu tinha tantos potes, que são milhões de vezes os anos que me faltam nesse mundo. Eu juntei tantos objetos lindos e inúteis (à primeira vista) que não me dei conta que poderiam servir para alimentar vária famílias carentes neste momento.
Para que eu quero uma moringa do sertão para estilizar a desgraça do nordeste do Brasil?! E por que eu preciso de um elefante da Índia e uma mesa da Indonésia?
Bem, o elefante veio de minha tia Arlete - portanto, valor sentimental. A mesa foi uma loucura repentina em uma época muito triste em minha vida, mas que eu achava que ia dizer algo pra mim (e diz).
Na verdade, a coisa que no momento mais me foi útil e que jamais usei por 5 anos, foi um carrinho de feira. Antigamente este carrinho era útil. Quando fui para o alto, lá no morro, perto do céu e longe dos seres humanos, ele ficou guardado. Agora, perto dos plebeus e de um supermercado, tão perto que não dá pra ir de carro, ele é objeto de valia.
Hoje eu recebi meu primo Maurício, que veio pra me ajudar mais uma vez. Passei a noite toda limpando o que poderá ser uma casa em breve. Ele veio consertar, montar, furar e uma infinidade de coisas. Meu irmão da vida, Aldenor, veio também para me salvar. Dois caras extremamente inteligentes.
Meu primo entrou, olhou em volta e falou: “Eu disse para esvaziar os espaços a serem trabalhados. Não para limpar tudo com Veja!”. Imediatamente jogou cinza de cigarro no chão. Achei aquilo um absurdo, mas entendi por que ele fazia aquilo: em minutos a casa toda estava suja, cheia de parede esfarelada no chão, de tanta furação.
Aldenor se ocupava com a parte dos detalhes e me ouvia pacientemente quanto às minhas necessidades virginianas: “Eu quero fazer deste canto um lugar esotérico. Não poderei ter grana para muitas reformas. Tenho que improvisar!”.
Ele disse: “Não seria melhor colocar lustres e tomadas nos seus devidos lugares antes?...”.
Sim, havia muito o que fazer antes da fonte e da mandala na entrada...
Enquanto eles “acabavam” com minha nova velha casa, resolvi sair pra “passear” no mercadinho. Passei na floricultura e perguntei quanto custava um bonzai. Caí pra trás quando disseram que custava 200 paus.
Eu sou um bonzai: demoro muitos anos pra crescer; preciso ser regada todos os dias; sou rara; sou cara; sou diferente; sou a miniatura da realidade. Eu não poderia ter um bonzai, uma vez que eu me ausento periodicamente de casa. Nem um gato ou um cão (animais que amo de paixão) eu posso ter. Plantas e bichos estão fora do contexto, da mesma forma que agora não posso ter tantos potes de cristal e louças de porcelana. Minha cozinha é o resumo do imprescindível. O microondas acabou na despensa por falta de lugar.
Andando na rua encontrei várias pacientes que atendo. Todas me olhavam assustadas, pois eu usava um vestidão à la Menô, hippie, com uma sandália arrasta-pé. Não que eu não goste (adoro me vestir assim), mas é que eu não achava minhas roupas e não tive tempo para escovar meu cabelo, que mais parecia o da James Joplin.
Eu me irritava com o movimento na rua, enquanto arrastava aquele carrinho cheio de brócolis - o que não como há dias. Ainda assim eu me sentia feliz por estar em meio à gente, no meio dos humanos.
O guardador de carros me saudou: “Bom dia, doutora!”.
- “Como sabe que sou doutora?”. - “Falaram na hora da mudança”.
- “Não me chame de doutora”, disse eu, olhando para minhas unhas dos pés. Fui a uma lojinha de ferragens. Precisava comprar o imprescindível: tomadas, interruptores, bicas, campainha etc. Pedi ao atendente: “Quero dez metros de fio”.
- “De que tipo?”.
- “De preferência que passe corrente elétrica”, expliquei, muito compenetrada e achando que estava falando algo muito importante.
Ele olhou para mim rindo “entredentes”. Tive que recorrer à artimanha feminina:
- “Aquele quadro lá no teto é de seu pai?”.
- “Não. Foi de meu avô...”.
- “Você é filho e neto de português. Seus ancestrais lhe deixaram o negócio porque material de construção deixa rico quem vende e pobre quem compra...”.
- “Como sabe disso tudo?!”.
- “Bem, começando que o quadro de Cristo e a Virgem Maria, com a moldura original, diz quem você é. Eu tenho um parecido. Depois, tudo aqui custa R$ 29,99...”. Portuga é portuga até a décima geração, amigo...
Depois que ele me questionou bastante sobre o que eu desejava e chegou a uma conclusão, fomos fazer as contas:
- “Você tem que me dar R$ 260,00”.Eu quase tive um treco. Eu comprava espelhos de interruptores, bicas, porcas, buchas e tudo o que uma mulher jamais necessitaria num sábado. Ele me fez um desconto: eu poderia pagar em duas vezes no cartão... Terei que atender na semana que vem até bem tarde para compensar o acabamento da casa velha nova, e, de acordo com os valores de uma consulta pelos planos de saúde, vou ficar no desfalque. E, considerando que o eu produzir, só vou ganhar em dois meses, estou fu...
O banheiro amarelo-ovo vai ficar assim mesmo. Vou colocar flores em ladrilhos e dar uma de Woodstock. Portas com maçanetas lindas não me pertencem mais. A cama está bamba. A portas e janelas rangem de madrugada, quando eu as fecho, acordando vizinhos. Nem vaselina adianta. Parece até meu pé...
Quando falei ao jovem dono da loja que sou escritora, que tenho um site e que também sou médica, ele se assustou:
- “Médica?! E ainda está na ativa?!”.Isso feriu na carne...
E eu nem sei onde está meu pen drive! Fiz um back up da minha vida e começo outra.
Passo, também abaixo, a letra da música que retrata meu momento. Cada frase se encaixa perfeitamente
Leila Marinho Lage
Rio de Janeiro, que continua lindo, 8 de novembro de 2008
PPS La Casa (um dia ainda melhoro este pps...):
Vídeo com Bethânia a Rita Lee – Música Baila Comigo
Só com Maria Bethânia
Baila Comigo
Composição: Rita Lee
Se Deus quiser Um dia eu quero ser índio Viver pelado Pintado de verde Num eterno domingo Ser um bicho preguiça Espantar turista E tomar banho de sol Banho de sol! Banho de sol! Sol!... Se Deus quiser Um dia acabo voando Tão banal, assim Como um pardal Meio de contrabando Desviar do estilingue Deixar que me xingue E tomar banho de sol Banho de sol Baila Comigo
Como se baila na tribo Baila Comigo Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai! Baila Comigo Ah! Ah! Uh! Uh! Como se baila na tribo Oh! Oh! Baila ba, ba Baila Comigo! Lá no meu esconderijo Se Deus quiser Um dia eu viro semente E quando a chuva Molhar o jardim Ah! Eu fico contente E na primavera Vou brotar na terra E tomar banho de sol Banho de sol! Banho de sol! Sol!... Se Deus quiser Um dia eu morro bem velha Na hora "H" Quando a bomba estourar Quero ver da janela E entrar no pacote De camarote E tomar banho de sol Banho de sol Baila Comigo Como se baila na tribo Uh! Uh! Uh! Baila ba, ba Baila Comigo Lá no meu esconderijo Como se baila na tribo
Baila ba, ba Baila Comigo Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai!... Sol! Sol! Sol!... E tomar banho de sol Banho de sol! Banho de sol! Banho de sol!... Ah! Baila Comigo! Como se baila na tribo Baila! Baila Comigo! Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Ai! Baila Comigo! Como se baila na tribo Baila ba, ba Baila Comigo! Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai! Baila Comigo! Como se baila na tribo (Que loucura!) Baila ba, ba Baila Comigo! Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai!... Lá no meu esconderijo Ai! Ai! Ai!... |