O Convescote
São 27 anos exercendo ginecologia e obstetrícia. Nós, médicos, acabamos por fazer parte da vida de muita gente de alguma forma, enquanto essas pessoas marcam a nossa vida também.
Há uns dias uma paciente, Carmen, disse durante uma consulta: “Vamos fazer bodas de prata...”. A princípio, eu não entendi, pois, além de muito cansada, estava atenta ao atendimento. Ela não estava nem aí e continuou: “Nós nos conhecemos há 25 anos. Isso merece uma comemoração!".
Para não mostrar meu desânimo, prometi que pensaria no caso, mas ela estava irredutível: “Nada disso! Não se preocupe com absolutamente nada. É só dizer o dia que eu trago os quitutes e... Proseco”.
Eu já tinha realizado algumas reuniões muito malucas no consultório. Depois do expediente aquele lugar já virou até set de filmagens de uma peça teatral, mas eu não sentia vontade de festejar qualquer coisa. Já houve reuniões parecidas, com outras pacientes, mas eram direcionadas a diálogos e eu nem imaginava ter um site. Na época, eu só fazia palestras.
Não adiantava. Ela queria porque queria e pronto. Então, o jeito foi determinar a sexta-feira seguinte, à noite. Assim, a sujeirada pós-festa não ia dar trabalho para o dia seguinte.
Chegou o dia. Acordei esgotada. Minha secretária ligou para me lembrar de levar a máquina fotográfica. Aí é que desanimou de vez: eu estava com traços do cansaço no rosto; meus cabelos brancos aparecendo, por falta de tempo de uma retocada. Então, pensei: “Eu aqui com tantos assuntos a resolver, tanta coisa acontecendo de ruim e tanta gente lá fora pior que eu, poxa! Nada disso. Eu vou embutir o negativismo e incorporar Dona Menô!!!”.
Ao terminar o atendimento, lá estava a paciente, trazendo uma torta de camarão, salaminho, pastinhas, biscoitos salgados, copos, talheres, pratos e taças de plástico. Resolvi mandar vir uns salgadinhos. Até tentei chamar outras pacientes, mas foi tudo em cima da hora e ninguém podia vir.
Na festa apenas estavam minha secretária, Paulinho, marido dela, Carmen e eu. Quando Paulinho viu que somente nós íamos nos deliciar com os quitutes, disse: “Azar dos outros. Sobra mais pra mim!”.
Carmen ficou meio encabulada com aquele homem, que, à primeira vista, é muito sério, mas que adora fazer tipo. Eu a tranqüilizei dizendo que ele era doido como nós, e que não se preocupasse, portanto.
Comenos MUITO! Dejê ficava com a consciência pesada pelas calorias ingeridas. Eu dizia que a “sessão medicina” tinha acabado e que ali éramos apenas seres humanos que cometiam o inocente pecado da gula. Carmen se preocupava em estarmos satisfeitos, como se lá fosse sua casa e nós, os convidados – e éramos! Rolaram papos diversos, até mesmo a promessa de futuros encontros mensais com outras pacientes e, quem sabe, o dia do “grande encontro”, com muita gente, numa casa de festas, com direito à orquestra, um buffet e até transporte para os mais idosos.
“Quem vai pagar isso tudo?!”, eu perguntava. Eles começaram a bolar a coisa como se já estivesse tudo programado. Dejê, a secreta, sonhava com Elymar Santos, seu ídolo, cantando para os participantes do Clube da Dona Menô. De Elymar, o assunto derivou para os ídolos de cada um, e acabou em Artur da Távola, o meu.
Paulinho foi peça imprescindível nesta festa quase surpresa. De sério, passou a extremamente engraçado, a ponto de fazer Carmen chorar de rir com coisas impublicáveis...
Tiramos fotinhos, inclusive do tradicional enlace das mãos na hora do champanhe, entre mim e Dejê, o casamento perfeito. Como o Proseco tinha acabado, usamos a cerveja de Paulinho, que dava o mesmo efeito na taça de plástico. Aproveitamos o ensejo e acabamos com a cerveja dele também. Não havia um motivo definido para ser festejado - apenas o fato de estarmos aqui no mundo, amigos e felizes por isso. Os problemas e dramas que uniram nossas vidas nem foram lembrados, muito menos pensamos nos outros tantos problemas que nos esperavam fora daquela sala. Saímos às gargalhadas, encostando-nos nos corrimões, não por estarmos bêbados, mas pelos risos que nos impediam de manter o equilíbrio nas escadas.
Eu não sei bem o que deu na veneta de Carmen para bolar o encontro. Talvez para mostrar que somos amigas e que tal fato não interfere na relação médico-paciente. Talvez ela tenha sentido a necessidade de dizer “Muito obrigada”. E eu digo o mesmo a ela publicamente.
Leila Marinho Lage
Rio, 28 de novembro de 2008 |