Clube da Dona Menô
Dona Menô
 
Lagoa Rodrigo de Freitas - Eu ia falar da árvore...



Amigos, resolvi escrever de novo pra vocês. Sou Josualdo, namorado de Dona Menô. Hoje sou eu quem vai contar umas das furadas em que ela se meteu, mais especificamente, no último sábado, às margens da idílica Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro.

Menô acabou de hospedar em sua nova casa velha um amigo vindo da Suécia. Ele não fala português, só inglês. E, como todo mundo sabe, Menô fala apenas duas línguas: português e o português claro...
 
Ficou difícil a comunicação. A mímica foi preponderante neste encontro. Ela fez um triângulo com a mão e ele pensou que ela rezava. Menô tentava convidá-lo para um passeio, onde veríamos a "árvore da Lagoa", que fora inaugurada uma semana antes.
 
Desde 1995 é montada uma linda árvore de Natal flutuante na superfície desta lagoa de águas paradas, um verdadeiro espelho d’água. Este ano ela ficará ancorada até dia 26 de dezembro no centro da lagoa, próximo ao parque do Cantagalo, na curva do Calombo. A partir desta data, até dia 6 de janeiro (Dia dos Reis), estará perto do parque dos patins.
 
Para quem não sabe do que falo, explicarei sobre as características deste lugar:



Acredita-se que a lagoa Rodrigo de Freitas tenha sido um braço de mar que se desligou. Era alimentada pelas águas dos rios e pela chuva, mas desde 1922 a renovação das águas é feita artificialmente pelo estreito e raso canal do Jardim de Alah, que a liga ao mar. Tal renovação de água salgada é prejudicada pelas chuvas, correntes marítimas e ventos, que trazem bancos de areia e que acabam embarreirando a entrada e saída de água, sendo necessário realizarem constantes dragagens. 

O ecossistema da lagoa sofre há décadas com as consequências dos aterros, da frequente contaminação por substâncias poluentes e pelo esgoto jogado in natura. A deficiência de oxigênio, causada pelas algas que crescem com o esgoto, matam peixes e a deixa imprópria para banho. E pensar que um dia os índios lavaram suas sungas em suas águas...

Sua área é de 2,4 milhões de metros quadrados. Localiza-se no bairro que leva seu nome (Lagoa), que tem um dos maiores IDH do país. IDH significa Índice de Desenvolvimento Humano (uma medida comparativa que avalia a riqueza, a educação e a expectativa média de vida de uma população). Sendo assim, o bairro Lagoa é habitado pela classe média-alta e alta...
 
A paisagem é linda. Existem clubes sofisticados às suas margens; é escolhida para a prática do remo e vela; pessoas se divertem em barquinhos movidos a pedal (pedalinhos). Próximos a ela encontramos o jóquei clube, restaurantes, bares, uma ciclovia que é compartilhada com os amantes das caminhadas e corridas. Muitos bares, muitos visitantes e maravilhosos prédios surgem imponentes ao redor do que hoje quase se pode considerar uma grande poça.

O Cristo Redentor, a estátua mais charmosa do mundo, lança sua mão para ela, mas nem o próprio Cristo conseguiu até hoje salvar a lagoa do vandalismo social. Em uma análise pragmática, e lamentando tal fato, o Rio de Janeiro está às baratas e coliformes fecais. A baía de Guanabara perde seus peixes por conta da poluição. E quando falo na baía, não me refiro a uma área pequena, mas a uma imensidão de mar. 
 
Vamos ao nosso dia:

O sueco finalmente entendeu sobre a árvore de Natal e adorou a idéia, mas perguntou sobre samba e mulatas com bunda de fora. Alegamos que ainda não era carnaval e que Jesus prefere Jingle Bells e Bach. A gente tentava o tempo todo dizer que íamos ver uma árvore de Natal! Menô resolveu o impasse dizendo: “Djísus Craist! Uí uil si Djísus Cruaists truí!”. Isso baixou o fogo nórdico, até porque Papai Noel, seu conterrâneo, não iria gostar nada daquilo.

O trânsito estava infernal. Sábado na Lagoa é sempre assim. Só mesmo quem tem saco é que aguenta o mesmo inferno que passamos todos os dias em pleno centro da cidade, onde existem os grandes negócios. Só não digo que passear na lagoa seja programa de índio porque índio não destruiria a natureza como fazemos, portanto, não merecedores de tal expressão.

 

Por falar em índio, os Tamoios foram os primeiros habitantes desta região. Entre 1575 e 1578 o então governador do Rio, Antônio Salema, lá decidiu instalar um engenho de cana. Para dar ordem de despejo aos índios, mandou espalhar roupas contaminadas com varíola nas margens da lagoa, as quais eles vestiram. Em pouco tempo morreram.

Na nossa visita à árvore encontramos uma boa parte população do Rio de Janeiro reunida, principalmente dos bairros mais afastados e turistas de outros estados (só ouvi inglês uma única vez), concentrados em reduzida área, numa calçada. Não entendíamos porque tanta gente se alvoroçava e se amontoava às 19:30 h para ver o início da iluminação da árvore, já que ela fica acesa diariamente até 2h da manhã.

Quando quis fazer xixi, descobri que não havia  banheiros públicos. Se nem havia espaço, quanto mais banheiro... Decidi negar Coca-Cola pra todo mundo, convencendo-os de que estávamos para ir a um maravilhoso restaurante depois da “árvore”... Procurei um guarda para pedir informações sobre onde poderíamos tirar fotografia da árvore sem ter cabeças atrapalhando, mas em raras e impossíveis ocasiões vimos um. 

Ainda bem que o povão era simples e estava numa boa. Ninguém ali estava a fim de brigar – apenas ver a tal árvore... Menô pediu sutilmente e em alta voz para que alguém lhe desse espaço para uma foto, pra entrar em seu seu site, e a mesma iria parar na Suécia. Foi prontamente atendida. Eles se apertavam entre si. O sueco estava numa alegria só.



Tive que dar uma de guardião do estrangeiro, para que ele não se perdesse na multidão, quando Menô decidiu caminhar por toda a extensão da lagoa. Não havia perigo de assalto, não na área em que a árvore estava fixa. Nas calçadas todos dividiam o mesmo espaço: pedestres, bicicletas, quadriciclos, carrinhos de bebê, que se uniram à turma dos vendedores ambulantes de tapiocas, pipocas e churrascos, uma muvuca. O único roubo eram os preços do que se vendia na rua.

De repente o sueco falou: “Men det luktar fan är det här?!”. Menô achou que o  “russo” estava estupefato com o acontecimento. Ela o fez comer curau (creme de milho), linguiça frita, pipoca, algodão doce, comprar um dragão de espuma e uma espada de ninja de plástico, iluminada em néon, saída recentemente do porto do Rio de Janeiro, chegada de Taiwan ou arredores...

O tal amigo voltou a dizer: “Men det luktar fan är det här?!”. Menô quase chegava ao orgasmo, pensando que ele elogiava o lugar e a alegria do povo. Ela pensava que estava abafando...

A árvore se acendeu. Um jogo de luzes vermelhas, depois azuis, amarelas... Para quem já assistiu às apresentações dos anos anteriores, aquilo não chamava tanta atenção. Uma música eletrônica saiu do monumento e, posteriormente, um show de fogos, o qual acontecerá às 21:00h de cada sábado. 

Eu fiquei muito "carioca" para me emocionar com a árvore. Achei tudo muito simples, não tão bonito quanto antes. Olhei pra Menô. Ela quase chorava de emoção, não necessariamente pela árvore, mas com a expressão de surpresa de seu amigo sueco. 

De tanto que o cara falou aquela frase, acabei memorizando e fui pesquisar. Ele dizia mais ou menos: "Mas que cheiro de merda é esse?!".

 

Pois bem, amigos. O cheiro que o nosso amigo estrangeiro sentiu não era de manguezal. Nada mais era do que o cheiro de merda exalado na orla da lagoa o tempo todo. Vi pequenos córregos de água de esgoto nas calçadas. Provavelmente meu tênis não estava com lama do capinzal (porque aquilo não era gramado, nem aqui, nem em Taiwan).

Hoje em dia não se tem nem mais o cuidado de lançar a merda dentro da lagoa. Pra quê?! Até a classe abastada convive com ela! Pra que escondê-la?...

Texto de Yvan Nhoé
Fotos de Leila Marinho Lage

Rio, 06 de dezembro de 2008