Clube da Dona Menô
Dona Menô

CAMINHANDO PELO RIO, CAP I

MEU BAIRRO


Caminhar traz saúde. Até mesmo um esporte ou uma ginástica não são tão mais saudáveis que caminhar. Quando caminhamos (a tempo: confortavelmente e sem pressa) a gente estimula nossa corrente sanguínea, oxigena bem o corpo e ativa o depósito de cálcio nos ossos. Caminhar não é tratamento, mas é remédio para vários males.

Estou numa fase de mudanças, pois a idade exige. Uma delas é fazer mais exercício, então comecei pela caminhada. Só que alguém como eu que gosta de escrever, vê crônica em tudo, portanto a minha caminhada deu o que falar, ou melhor, escrever.

Em primeiro lugar devemos encontrar o local ideal para se caminhar. Eu queria andar a pé e fazer compras de mercadinho, e como no meu bairro tudo é feio, não há paisagens para serem apreciadas, tive que me concentrar noutra coisa bonita: o meu povo.

Quantas vezes a gente anda na rua olhando para o chão? Adivinhamos nossos trajetos e nem sabemos o que passa ao nosso lado. Não percebemos nada à nossa volta, mas neste último domingo, de um sol maravilhoso, eu olhei para frente e direto para o rosto das pessoas.

Foram uns 14 Km ao todo de observações, de atenção a detalhes, de “devaneios”. Era cedo demais e meu bairro parecia deserto. Percebi que as pessoas acordam tarde demais e deixam para fazer as coisas quando o sol já está de lascar na nossa cabeça.

Não vi um jovem sequer caminhando, mas vi muitos senhores e senhoras já na ativa, andando ou comprando coisas no comércio que já estava aberto: padarias, supermercados, jornaleiros e sacolões.

Eu queria comer rúcula e fiquei plantada diante de um sacolão, ao lado de pessoas com mais de sessenta anos, todos à espera das frutinhas e verduras mais fresquinhas.

Olhei para uma senhora que se sacudia toda, o tempo todo. Ela tinha algum problema motor ou neurológico, mas estava lá, durona da silva, olhando para a porta da loja e reclamando que já eram 9 horas em ponto!

Olhei para o lado e ouvi um senhor de uns 75 anos conversando ao telefone celular: “Oi! Vou comprar a linguiça e vamos nos reunir, ok? Como eu to? A minha artrose me mata! A que horas vai ser o futebol na TV?”.

Entrei no sacolão, ainda embalada pela energia do coroa, que queria fazer de seu domingo algo memorável.

Enquanto eu escolhia a melhor alface, o melhor agrião, parei para observar o que os velhos compravam e como compravam. Eles escolhiam metodicamente cada tomate, cada raiz, cada batata. Eles só compravam coisas saudáveis e no melhor estilo. Todos encurvados, todos silenciosos, todos muito calmos, tentando fazer de suas vidas algo de muito útil, para eles e para os seus.

A senhora que se tremia esbarrou em mim. Ela estava pedindo para um funcionário a ajudar a colocar uma alface num saquinho. O menino disse que estava ocupado com um carrinho e foi embora. Ela não tinha coordenação para aquela tarefa, então eu disse, na maior intimidade: “Me dá aqui que eu arrumo”. Ela me olhou encantada, enquanto eu ensacava a verdura, e saiu dizendo: “Deus te abençoe”. Foi uma bela benção mesmo...

Resolvi deixar as compras em casa e continuar a caminhar. Lembro que em muitas ocasiões muito tristes de minha vida a única coisa que me restava era caminhar aleatoriamente pelas ruas, talvez para encontrar algo, não sabia bem o quê. Caminhar e pensar faz bem e era isso que eu tentava fazer naquele domingo.

Passei por uma pracinha, onde é tradicional encontrar pessoas fazendo ginástica ou apenas perambulando. Muitos senhores idosos já estavam nas mesinhas e cadeiras de pedra, jogando um baralho. Parecia um encontro de carteado; eram dezenas de jogadores. Deu vontade de fotografar, mas este ato infringiria uma lei que ali reinava: estavam na intimidade deles e nada poderia abalar tal paz. Deixei-os em paz...

Ao virar para outra rua, vi um rapaz negro, muito bonito, que estava tomando conta dos carros estacionados, apesar de serem muitos poucos carros e numa rua residencial, sem movimento. Ao lado dele, no chão, um filhote de pastor alemão mestiço. O cachorrinho tinha um olho marrom e o outro era completamente azul, muito lindinho o bichinho.

Eu me encantei com o bebê, que se eu pudesse teria um igual. Na verdade, não foi eu quem se aproximou do animal, mas ele, que veio em minha direção sem eu ter chamado a sua atenção.

É comum animais se assustarem comigo, se eu vou ao encontro deles (talvez por eu ser muito "espaçosa"), mas também é comum que gatos e cachorros olhem para mim profundamente e até se esfreguem em mim quando eu estou distraída. Eles se penetram dentro dos meus olhos e eu tento entender o que querem dizer. Como nunca sei, apenas aceito a abordagem e os acolho num belo carinho.

O filhote estava em meu colo enquanto eu perguntava para seu dono se ele tinha sido abandonado. O homem disse que encontrou uma ninhada sem a mãe e deus os filhotes, mas que tinha escolhido aquele para si. Perguntei se ele já o tinha levado ao veterinário e se ele enxergava do olho azul. O homem disse que era morador de rua e não tinha grana pra levá-lo ao médico, mas que o animal via perfeitamente, sim.

O filhote estava muito limpo, cheiroso e bem cuidado. Tinha até coleira! Quando eu me despedi, disse “Cuide bem dele” para o... cãozinho...

Voltei pra casa, evitando colocar as mãos no rosto, mas sentindo nelas o calor de ternura. Pensei comigo: “O que foi que eu encontrei neste passeio acidental?”. Nada! Ou tudo?...

Leila Marinho Lage
Rio, 31 de agosto de 2009
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