Queimaduras Certo dia eu estava no meu consultório em final de expediente. Estava atrasada para fazer uma cirurgia, pois geralmente opero à noite, e naquele dia eu estava atrasadíssima. Lembro que enquanto minha secretária desligava os aparelhos, resolvi desligar a cafeteira elétrica. Como havia água remanescente no recipiente, virei o aparelho de cabeça para baixo diretamente na pia. A água retornou pelo conduto de drenagem e subiu como um chafariz, caindo direto no meu punho esquerdo. Tudo foi tão rápido que na hora a sensação térmica foi de frio no local. Depois veio a dor. Por instinto, coloquei o braço na água da bica e depois fui embora, sem proteger a área queimada. No caminho comecei a sentir uma dor insuportável e esta só parava se eu colocasse o punho na ventilação do ar refrigerado do carro. Ao chegar no hospital eu já não tinha mais condições de fazer qualquer cirurgia. Tive que entregar a paciente para meu auxiliar, que operou com outro colega, enquanto eu ficava ao lado me contorcendo de dor. Resolvi pedir gelo e a enfermeira me deu um daqueles tubos térmicos de plástico que congelam no freezer. Eu estava tão atenta à cirurgia e à paciente que não me dei conta que tudo foi realizado sem nenhuma antissepsia - o tubo era contaminado pelo interior da geladeira, minha pele estava contaminada pelo ar refrigerado do carro e pelo ambiente hospitalar. Ao chegar em casa meu punho era uma bolha gigante. Eu retirei a bolha para aplicar um creme cicatrizante com antibiótico. Era madrugada e não me dei conta da gravidade da lesão. Como a dor tinha aliviado, achei que ia resolver o problema com um simples curativo. O processo de cicatrização foi doloroso. A região até que estava bem limpinha, mas depois de alguns dias comecei a apresentar vermelhidão (hiperemia) e inchaço (edema) em todo o braço, que ia até a axila. Eu tinha uma infecção. Bactérias no local da queimadura entraram através da corrente linfática e se distribuíram pelo braço. Liguei para um amigo cirurgião plástico que abriu o consultório para me atender em pleno domingo. Depois de muita manipulação da ferida, ele me medicou com antibiótico, antiinflamatório e pomadas caríssimas. A recuperação foi difícil, pois a mão e o punho são áreas extremamente enervadas e propensas a muita dor. Conforme a pele se recuperava eu sentia coceira e ardência no punho. O colega falou que se a queimadura fosse em bracelete, ou seja, fechando um círculo na mão, em 360 graus, eu teria que ser operada para livrar a circulação linfática. Demorou um mês para eu me curar e hoje tenho uma pulseira branca tatuada em mim. Quis exemplificar esse caso para alertar quanto a certos e-mails que recebemos. Nessas mensagens, que são transmitidas mais rápido do que um vírus, somos orientados a NUNCA colocar a área queimada na água; que o importante é aplicar clara de ovo e tudo se resolverá até o dia seguinte, quando a pele se recuperará como que por encanto, sem marcas, sem infecções e sem dor... Tecido queimado pode ser meio de cultura para bactérias. Quando há bolhas é importante que elas sejam removidas. As bolhas são uma proteção natural e imediata do corpo, mas elas se rompem com facilidade, além de cobrirem o tecido que foi queimado e que pode estar contaminado. A área queimada deve ser tratada com cicatrizantes específicos, além de limpeza diária e troca sistemática de curativos. É importante que no ato da queimadura a área seja lavada com água fria corrente. Não se deve colocar NENHUMA substância contaminada em cima da ferida, como óleos, unguentos caseiros etc. A aplicação de gelo, apesar de diminuir a dor, pode contribuir para queimar mais ainda a pele. O ovo que está na nossa geladeira está cheio de bactérias perigosas em sua superfície. A clara do ovo contém albumina. Essa albumina seria um impermeabilizante natural, que teria um efeito que chamamos efeito película. Mas de que adianta impermeabilizar uma área potencialmente contaminada? Pelo que eu soube através de especialistas em tratamento de queimados, não há estudos e aplicação prática da clara de ovo em queimaduras. Se acharem que a queimadura é extensa, o melhor a se fazer é recorrer a um atendimento médico de emergência para se avaliar a gravidade do caso e a necessidade de internação ou apenas tratamento de apoio, como remoção de bolhas e tecido queimado, em condições estéreis, vacina antitetânica etc. A maior incidência de queimaduras na população é por acidentes domésticos. A dona de casa e as crianças são as maiores vítimas. Os agentes mais comuns são o fogão (principalmente ao se manusear o forno, panelas quentes e frituras), ferro de passar roupas, correntes elétricas (como tomadas e aparelhos eletrodomésticos), produtos químicos que causam combustão em contato com fogo (como o álcool e querosene). As crendices, a ignorância e o descaso são os fatores que contribuem para as complicações. Além disso, é importante frisar que o que mais agrava uma queimadura é uma possível infecção subsequente. Lembrem-se: uma ferida limpa cicatriza mais rápido. Leila Marinho Lage Recomendo a leitura do texto de Arnaldo Agria Huss, “O trote na era da informática”, que está no espaço “Convidados”: |